Por trás do discurso bonito e das aparências, “pessoas de bem” são capazes de fazer monstruosidades. É o que mostra o Brasil atual assim como “Vila Conde”, novo curta-metragem de Rômulo Sousa. O jovem diretor local realiza o primeiro filme na ficção após o ótimo e surpreendente “Personas”, documentário co-dirigido com Daniella Coriolano, sobre o processo criativo do artista plástico Otoni Mesquita realizado como trabalho de conclusão do curso de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas.

“Vila Conde” mostra o reencontro de Pedro (Luiz Vitalli), dono de uma vila em Manaus, com um antigo amigo, o deputado estadual Ricardo (Ismael Farias). Após um início de conversa sobre fatos do passado, eles enveredam por um assunto com consequências delicadas. Minutos depois, surge Wilson (Tony Ferreira) e a situação se agrava mais.

Como deu para notar, não dá para fazer uma sinopse muito detalhada de “Vila Conde” sob risco de revelar algum spoiler. Isso porque o roteiro escrito por Romulo Sousa mostra-se bastante enxuto e preciso no fluxo de informações revelado ao espectador. Centrada nos diálogos, a construção e desconstrução daquelas figuras ocorre a cada nova descoberta sobre quem são e a dinâmica do relacionamento entre elas. A chegada de Wilson à trama coloca um novo ponto de vista sobre o que presenciamos anteriormente. Tal expediente de ressignificação constante para gerar um quebra-cabeça no público remete a produções como o clássico “Rashomon” (salvo, claro, todas as devidissímas ressalvas).

QUASE UM GRANDE FILME

Esse jogo fica ainda mais rico levando em conta simbologias trabalhadas ao longo do filme. Ambientado em 1983, período da redemocratização do Brasil após mais de duas décadas de ditadura militar, “Vila Conde” apresenta diversos elos do poder no Brasil. Temos de um lado o poder econômico na figura de Pedro, enquanto Ricardo representa o poder político. Ambos surgem educados e civilizados, mas, aos poucos, revelam seus verdadeiros interesses. No meio deles, aparece Wilson na figura do povo: assustador e temível, mas, no fundo, repleto de fragilidades, carregando preconceitos e estigmas. A religião presente através da imagem de Nossa Senhora de Fátima na parede da cozinha completa este cenário tão típico da sociedade brasileira, sendo a sequência do desfecho deste conflito um retrato claro da dinâmica histórica do país.

Todo este trabalho, porém, não chega a render um grande filme por pequenos detalhes. O roteiro explica demais todas as situações, o que faz os diálogos soarem mais preocupados em dar novas informações a todo momento do que em permitir uma fluidez melhor do texto. Se Luiz Vitalli e Ismael Farias fazem uma dobradinha certeira com personagens muito bem definidos, Tony Ferreira fica abaixo por ter a função ingrata de gerar tensão e, quando começa a ter o papel aprofundado, já partimos para o ato final sem entender ao certo todas as nuances de Wilson. Por fim, a trilha soa levemente excessiva e ditando demais o ritmo da produção sem parecer confiar na capacidade de compreensão do público.

Mesmo assim, é muito bom poder acompanhar o desenvolvimento de Romulo Sousa dentro do audiovisual amazonense. Os pequenos tropeços apresentados tanto em “Vila Conde” quanto “Personas” são pequenos perto dos acertos obtidos na narrativa e parte técnica dos seus curtas. Pode-se dizer sem medo que trata-se de um dos mais promissores nomes do audiovisual local surgido de 2015 para cá.