Seguindo a irregularidade característica da série, os episódios 10 e 11 de “Boto” conseguem, ao mesmo tempo, trazer momentos brilhantes – talvez, os melhores até aqui – e outros beirando o tédio. A reta final escancara que, apesar de ter cinco protagonistas, cabe a Alex (Renan Tenca) e Valdomiro (Lucas Wickhaus) segurar os principais conflitos em cena.
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“Depois de Ontem”, título do décimo capítulo de “Boto”, inicia do término do episódio anterior com ménage entre Alex, Giordano (Ítalo Almeida) e Lara (Daniela Blois). Tudo feito com muito cuidado, exalando liberdade e afeto, mas, que não se sustenta por tanto tempo assim, afinal, o que poderia ser um causador de conflito ou alguma faísca inesperada pelo rumo do trisal, na verdade, termina com eles fumando um baseado, dormindo nus juntos, se beijando mais um pouco e só. Nem mesmo o episódio seguinte apresenta algum elemento adicional, o que só aumenta a sensação de desperdício dos personagens de Ítalo e Daniela – sinceramente, já desisti de esperar qualquer coisa da dupla.
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Ainda falando de Alex, ele protagoniza o grande momento de “Boto” até aqui no episódio 11, “Boto Máquina”. Novamente, o passado nebuloso do personagem está no centro da história com a traumática viagem de barco feita na infância. Remetendo a Hamlet, o príncipe da Dinamarca assombrado pela morte do pai, temos Alex lidando com o seu passado em uma encenação de uma performance teatral repleta de grunhidos e angustiante, tal qual o espírito inquieto do rapaz.
CAMINHADA TRÁGICA
Paralelo a isso, temos Valdomiro que decide sair à rua e ir ao trabalho de vestido e brinco. Ao sair para tomar uma cerveja com um cliente da pizzaria em que exerce a função de garçom, ele acaba sendo vítima da intolerância. Interessante observar como existe um ar trágico em relação ao personagem em “Depois de Ontem”: ao vê-lo caminhar confiante e feliz pelas ruas ensolaradas do Centro de Manaus, sabemos que, logo, a triste e violenta realidade de uma sociedade incapaz de olhar com afeto ao diferente e preconceituosa será posta. O contraste com o fim do capítulo, em uma avenida Eduardo Ribeiro deserta, tarde da noite, ensanguentado e com o olhar de espanto e incredulidade com o que lhe ocorrera, sem ter a quase ninguém para recorrer (a PM não parece ser a melhor escolha), dá o tom perfeito desta composição.
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Completa esta jornada a forma como a sociedade sexualiza aqueles corpos acima de qualquer outro traço. Para Amaury (Diego Bauer), típico ‘cidadão de bem’, não importa quão seja competente como garçom ou o talento inegável como cantor, Valdomiro é apenas um ser o qual deseja ter posse. O simbolismo desta violência ganha ainda mais força ao se tratar de um homem negro identificando-se com um gênero feminino, corpos historicamente violentados e desrespeitados pela sociedade brasileira ao longo de séculos.
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Os dois últimos capítulos de “Boto” serão exibidos a partir da próxima sexta-feira (26) na TV Ufam, a partir das 23h (hora de Manaus).