Duas pessoas vestindo roupas metálicas com um quê espacial caminham em frente a um mar de lava vermelha que eclode diante de um vulcão em erupção. “O mundo tornado fogo e nesse fogo, dois amantes fizeram a sua morada”. 

Parecendo saídos de um filme de ficção científica, as duas pessoas desafiavam a lava que eclodia do vulcão em erupção, saltitando alegremente por todo o lugar. A documentarista Sara Dosa é quem está por trás da obra de fabulação documental “Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft”, que causou sensação e muitos aplausos em Sundance este ano. A produção está disponível no Disney+. 

Com narração da cineasta e multiartista Miranda July, “Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft” se sustenta nas muitas fotografias, filmes e gravações exclusivas dos vulcanólogos Katia e Maurice Krafft. Dosa explicou em uma entrevista para a Variety que o método ou dispositivo que usou chama-se “edição associativa”, ou seja, um amálgama discursivo audiovisual, com músicas românticas francesas e imagens impactantes do casal desbravando os vulcões para o mundo. 

Após assistir 250 horas de gravações, fora todos os filmes que Maurice produziu, as milhares de fotografias e nesse processo, muitas dúvidas e questões emergiram na cabeça da documentarista. Quando leu a frase de Maurice em um de seus livros – “ para mim, Katya e os vulcões são a expressão do amor” – o estalo veio e a tese do filme estava ali pronta para ser constituída. 

Corações vulcanizados 

De 1972 a 1991, o amor consumiu Katia e Maurice, que se conheceram na Faculdade de Estrasburgo. Ela geoquímica, ele geólogo, descobriram que a paixão em comum os mantinha em constante estado de excitação pela descoberta e o risco envolvido na atividade. Em certo momento, Maurice filosofa: “Nos contemplamos subjugados na beira do abismo. O fenômeno implacável nos faz tremer”. 

Emprestando alguma coisa da Nouvelle Vague para evocar o estilo e o clima daquela época, com o desafio sendo ainda maior porque os filmes em 16mm não continham banda sonora, Dosa constrói um romance com tons cômicos e trágicos sendo Katia a heroína silenciosa, que apazigua o espírito inquieto de Maurice. Para ele, andar em uma rua na Bélgica é mais perigoso do que andar sobre um vulcão, considerado um “risco calculado”. 

E “Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft” constrói imageticamente a sua potência com o casal enfiando o pé na lava ou tentando escapar das cuspidelas avermelhadas dos vulcões gentis ou da fumaça e poeira acinzentada dos vulcões fatais, assassinos. Malucos ou esquisitões, Maurice e Katia ficam procurando vulcões, como o casal de sismólogos em “Twister”. 

A curiosidade é mais forte que o medo 

Buscando o efêmero e o eterno, os protagonistas de “Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft” tem a trajetória refeita por Dosa, que já abre anunciando que eles morreram em uma explosão no monte Uzuma no Japão em 1995. 

Ficcionalmente construindo a personalidade de Katia e Maurice, dois rebeldes como o casal central de “Moonrise Kingdom”, os adolescentes Sam e Suzy que querem fugir de uma ilha antes que a mesma seja atingida por uma tempestade, Dosa emula um espírito de Wes Anderson ao apresentar seu casal não só numa estética kitsch mas num conto de amor peculiar. 

O romance está no ar e “Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft” ainda representa Maurice como um elefante marinho e Katia como um pássaro. Ela rompe a quarta parede e fala que não dividiria a vida com alguém que não sabe o que é o amor em cima de um vulcão. Ele complementa, tendo um cancioneiro francês meloso ao fundo, que sempre quis levar a vida como um kamikaze, em meio a coisas belas e vulcânicas. 

E é um desbunde mirar o espetáculo dos vulcões e os sorrisos ou a admiração que perpassa os rostos de Katia e Maurice. “Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft” é um convite de derreter qualquer pessoa mais endurecida pela vida, a história de amor de um casal que desvendou o coração da terra e as veias, o sangue. Que levaram a vida que quiseram, não imaginaram levar a vida de outra jeito e ainda tiveram uma contribuição indelével para a vulcanologia e a prevenção de desastres envolvendo fenômenos naturais.