Localizado na Avenida Eduardo Ribeiro, o prédio Cidade de Manaus abriga residências e escritórios comerciais há décadas, sendo um dos primeiros símbolos do crescimento imobiliário da capital amazonense pós-Zona Franca. O tradicional empreendimento construído nos anos 1970 serve de ponto de partida para a mais nova animação do cinema amazonense.

“O Mezanino” traz a história de um jovem de origem cabocla, das camadas mais populares, com uma paixão platônica por uma garota branca da classe média. Os dois se encontram no refúgio dela, uma sala pertencente à família no Edifício Cidade de Manaus. A garota fala para o rapaz que escreveu um poema solar lá e, para que ele consiga o mesmo, será necessário que parta em busca de um espaço semelhante ao que aquele lugar representa para ela. Daí em diante, o protagonista se aventura em uma viagem pela capital amazonense para localizar a tal sala.

O escritor e realizador audiovisual Bruno Villela é o diretor e roteirista do projeto previsto para ficar pronto em outubro deste ano. Para ele, a história trabalha as dicotomias tão presentes na realidade amazônica de forma lírica.

“O curta é uma zona de transição, um lugar de espera de distintos mundos e realidades. O que sempre me chamou a atenção sobre a Amazônia, ao morar em Manaus, foram estas pontes entre cidade e floresta, mito e história, rio e rua, modernidade e tradição. “O Mezanino” representa um ritual de passagem da adolescência para o mundo adulto”, declarou.

Originalmente, “O Mezanino” faria parte do novo livro de Bruno, “O Azul dos Seres Subterrâneos”, lançado em São Paulo, neste ano. A aprovação do projeto no edital Manaus de Audiovisual 2016, porém, mudou os rumos iniciais. “Como tenho esta incursão literária, especialmente na poesia, foi uma oportunidade de desenvolver visualmente um texto poético e não apenas um texto dramático. Apesar do traçado do desenho ser bem realista, achei que seria interessante fazer uma animação experimental com este lado poético e lírico bem aflorado”, afirmou. Segundo Bruno, a poesia dele está na íntegra no filme com uma narração em off do protagonista, sendo inserido apenas diálogos entre os personagens para fins dramáticos.

Adanilo Reis (“O Tempo Passa” e “Aquela Estrada”) e Daniela Blois (“O Boto” e versão teatral de “Gabriela”) foram escolhidos os dubladores, enquanto Robert Coelho ficou encarregado da fotografia do filme. Grupo santista, o Coletivo Teremin fez a trilha sonora e o trabalho de som, Marcelo de Moura foi o responsável pelo concept de personagens e da direção de animação e, por fim, Juliana Almeida e Jean de Moura ficaram na produção executiva.


Processo de aprendizagem na animação

A chegada de “O Mezanino” mostra o caminho promissor para o setor das animações no Estado. Se na época do finado Amazonas Film Festival, “E Agora, o que Nois Râmu Comê?”, de Daniel Luiz Batista, e “Paris dos Trópicos”, de Keurem Maia Marçal, surgiram quase como iniciativas isoladas, o experiente realizador local, Leonardo Mancini (“Morto-Vivo”, “Et Set Era”) conseguiu levar “A Última Balada de El Manchez” para o Anima Mundi, de 2017. Aliado ao recente edital do Ministério da Cultura, #audiovisualgerafuturo, com linhas específicas para o ramo, as perspectivas para o futuro são boas para quem está disposto a se aventurar na área.

Bruno Villela descobriu os desafios que a animação impõe ao fazer “O Mezanino”: sem saber nada da área antes do projeto, ele recorreu à Lightstar Studios, empresa que trabalhou no premiado “Uma História de Amor e Fúria”, para a co-produção do filme.

“Assisto bastante obras do gênero, mas não desenho. Imaginei que o projeto ficaria bonito, mas, não tinha ideia do processo. Fazer storybords, animatics, desenhar personagens e cenários: não sabia nada. Quando me mudei para São Paulo, optei pela Lightstar com quem já havia trabalhado na vinheta da série “Índio Presente”. No início, até pensamos em fazer rotoscopia, filmando as cenas na sala e as paisagens de Manaus, porém, seria inviável pelo valor. Decidi fazer 2D mesmo e fui aprendendo com eles”, disse.

Se você pensou, porém, que esta trabalheira toda desanimou Bruno de continuar na animação, pensou errado. Em parceria com o professor universitário e realizador audiovisual, Gustavo Soranz, ele já possui um novo projeto ainda em fase de desenvolvimento chamado “O Presente”. O curta será ambientado em Manaus em dois momentos históricos: século XVIII durante a Guerra dos Manaós e nos tempos atuais.

Bruno, porém, lamenta a falta de mais profissionais especializados no setor da animação no Amazonas. “A responsabilidade é do Estado. Você vê que o curso de audiovisual da UEA, do qual, inclusive, fiz parte, não tenha dado certo e fechado as portas. Ficamos mais carentes de formação por ser uma área muito específica, técnica, cara. Poucas pessoas que conheço dominam estes procedimentos e tem oportunidade de fato”, declarou.

Amazônia e o realismo fantástico: conciliação do urbano e da ancestralidade

Trabalhar com animação se mistura a uma outra paixão de Bruno: a Amazônia. Natural de Santos e morando em Brasília, ele viveu em Manaus durante boa parte desta década, onde, inclusive, lançou o primeiro livro de poemas, em 2015. “Acho a animação um campo muito rico para a gente no Amazonas e na região como um todo. Ela permite borrar mais as fronteiras, estas zonas de transição. Na animação, a gente consegue ir desde o real até o mais abstrato, mítico. Tem tudo a ver com a Amazônia”, disse.

Dentro desta linha de pensamento, Bruno Villela, que realizou a série documental “Índio Presente” no edital do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (Prodav), acredita que o realismo fantástico possa ser mais explorado, conciliando, por exemplo, o mundo urbano com as culturas ancestrais que habitam a Amazônia.

“Falta um cinema de ficção, tanto na animação quanto no live-action, que mostre estes dois mundos. O Sérgio Andrade tem sua importância histórica, mas, falta tocar mais no quê e como pensa o indígena que está na cidade. Isso significa que a gente somente tenha que fazer filmes de indígenas ou de conflitos que os envolva? Não necessariamente. Mas, o que tem de diferente na cultura amazônica que não passe pelo indígena ou pelo homem tradicional, tipicamente do Norte? Nada. Eu não vejo uma possibilidade de fazer um cinema ou qualquer tipo de arte engajada na realidade amazônica senão pela indigenização ou pelos ribeirinhos”.

“Dá para conciliar e fazer filmes de terror, policiais que sejam engajados na problemática e nos conflitos amazônicos. É um caminho que precisa ser trilhado. Há muitas histórias que as pessoas não conhecem. Não faltam ideias, mas, sim, recursos. Porém, não podemos ter medo de fazer estas histórias quando os recursos existem. A série “Boto” é um bom exemplo: mesmo sendo possível ambientá-la em qualquer lugar do Brasil, há esse fundo mítico. É uma obra paradigmática na produção amazonense. (…) Não adianta apenas pegar Manaus como cenário e colocar qualquer história lá; é preciso entendê-la”, completa.