O cinema amazonense perdeu na última quinta-feira, 10 de novembro, um dos nomes mais importantes de toda a história do audiovisual local. Ivens Lima, radialista, cineclubista, crítico de cinema e apresentador de televisão, faleceu em Durham, na Carolina do Norte, ao lado da família. A causa da morte não foi revelada. 

Os primeiros passos de Ivens Lima no setor datam de 1954 com a apresentação do programa “Cinemascope no Ar”, na Rádio Rio Mar. Na atração, ele fazia críticas dos filmes em cartaz na cidade de Manaus. Contou com o apoio de outros nomes promissores da época como José Alberto Saraiva, Pe. Luís Ruas, Márcio Souza e José Gaspar. 

Em 1962, através do “Cinemascope no Ar”, Ivens Lima ajuda a divulgar o curso sobre cinema de um jovem retornando a Manaus chamado Cosme Alves Netto. Foi justamente nos encontros desta turma que surge o GEC – Grupo de Estudos Cinematográficos, pontapé inicial para a fase mais marcante do cineclubismo no Amazonas. Inicialmente, Cosme foi o primeiro presidente da iniciativa, mas, ao voltar para o Rio de Janeiro, onde tempos depois assumiria a Cinemateca do Museu de Arte Moderna, Ivens assume o posto. 

Ivens Lima (quarto da esq. para dir.) acompanhado de colegas do Grupo de Estudos Cinematográficos durante a reabertura do Cine Éden no dia 21 de setembro de 1963. Foto: Acervo/Ivens Lima

Segundo o artigo “Caminhos da Sétima Arte no Amazonas: de Silvino Santos aos festivais dos anos 1960”, do jornalista cultural e pesquisador Rosiel Mendonça, o GEC chegou a ser o terceiro cineclube mais importante do Brasil, fato este reconhecido pela Cinemateca Brasileira. As sessões inicialmente reservadas para poucos membros foram ganhando volume a ponto de atraírem mais de 400 pessoas em exibições no Palácio dos Rodoviários (atual prédio do curso de medicina da UEA), segundo o pesquisador Gustavo Soranz.  

Ivens deixou a presidência do GEC em 1964 para dar lugar a Guanabara de Araújo e, em seguida, para Márcio Souza. A efervescência cultural ligada ao cinema nos anos 1960, porém, gerou como resultado dois grandes eventos em Manaus: o I Festival de Cinema Amador de 1966 e I Festival Norte de Cinema Brasileiro de 1969. 

FESTIVAL AMADOR de 1966 

Foi no Festival de Cinema Amador que Ivens Lima realizou “Harmonia dos Contrastes”. A obra “apresenta uma espécie de crônica social através da encenação de diversas situações em que se destacam as mãos. Tipicamente uma experiência de primeiro filme, vai mostrando, geralmente por oposição, diferentes condições sociais e culturais, com situações de trabalho, de lazer e de consumo, além de mostrar certas instituições de influência na sociedade, como a igreja, a política e os meios de comunicação, sempre através do trabalho com as mãos.  

Com a presença de alguns intertítulos, o filme faz alusão a situações históricas como “As mãos de Van Gogh”, com referência ao sofrimento do artista; ou “As mãos dos Cesares romanos”, relativo ao poder dos imperadores romanos sobre a vida dos gladiadores, expresso através do sinal para matar ou não o lutador derrotado em uma disputa e “As mãos do diabo”, com referências ao Holocausto judeu da Segunda Guerra Mundial. As situações representadas oferecem pouco ou quase nada do contexto da cidade de Manaus, remetem a situações universais típicas de uma sociedade dividida em classes resultantes de um modelo de produção que concentra renda e gera desigualdade social”, disse Gustavo Soranz em artigo publicado em outubro de 2017 aqui no Cine Set. 

A cópia de “Harmonia dos Contrastes” disponível no YouTube é do acervo da pesquisadora Selda Vale da Costa. O curta-metragem ficou em terceiro lugar na mostra competitiva do festival. 

CARREIRA NA TV 

Ivens Lima (à dir) ao lado de Cosme Alves Netto durante a festa de abertura do 1º Festival Norte de Cinema Brasileiro em Manaus.

Ivens Lima foi além do cinema e fez história na televisão amazonense. Na época dos shows de calouros, ele foi um dos jurados mais conhecidos do programa “Peneira Ajuricaba”. Também comandou o Jornal do Amazonas, na Rede Amazônica. De acordo com o Portal Marcos Santos, Ivens tinha um dos maiores acervos de VHS de Manaus tamanha a paixão dele pela Sétima Arte e audiovisual de modo geral. 

Funcionário da Receita Federal, mudou-se para o interior de São Paulo para ficar mais próximo da família. Em seguida, viajou para os EUA para ficar próximo das três filhas. Ivens Lima morreu aos 90 anos de idade. 

O Ivens Lima foi um importante articulador para o surgimento da cena cineclubista local. O fato de ter o programa de rádio sobre cinema o proporcionou entrada nos veículos de imprensa locais que acabaram sendo fundamentais para a realização dos festivais no final dos anos 1960. Do mesmo modo, ele foi um articulador importante em relação ao poder público. Era de uma geração mais velha do que os jovens que estavam entusiasmados com cinema naqueles anos e teve papel mais marcante como no GEC e entre os agentes locais.

Tenho a impressão de que o Ivens Lima tinha uma predileção por um cinema de fatura mais clássica enquanto a geração mais jovem estava se interessando pelo cinema moderno nascente naqueles anos. Por isso, uma diferença de ponto de vista na programação dos cineclubes, algo provavelmente devido a essa diferença de geração mesmo.

Gustavo Soranz

Pesquisador e fundador da Rizoma Audiovisual