Indicado aos Oscars de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, “Vidas Passadas” coloca em um confronto mais emocional do que literal duas versões de uma mesma pessoa, representadas por um amor de ontem e um amor do agora. O primeiro longa dirigido por Celine Song certamente fez muita gente sair soluçando dos cinemas mundo afora, e, além da realizadora, muito disso se deve à atuação de Greta Lee. Uma das esnobadas mais sentidas deste Oscar, Lee já tinha uma longa carreira de coadjuvantes e participações, principalmente em seriados, mas foi no filme de Song que ela, enfim, virou a estrela da história.  

Recentemente, o Cine Set participou de uma coletiva de imprensa com atriz e diretora/roteirista. Você confere abaixo os melhores momentos da conversa, moderada pelo crítico de cinema David Ehrlich:  

Pergunta – Celine, esta é visivelmente uma história sua. Não há ambiguidade quanto a isso. De onde veio a vontade de revisitar uma odisseia tão pessoal? Ainda havia algum sentimento não resolvido que você queria colocar no filme?  

Celine Song – Acho que “Vidas Passadas” era muito mais sobre o que aconteceu comigo, de estar em um bar em Nova York, sentada entre o meu namoradinho de infância, que hoje é um amigo, e meu marido. Esse foi o momento que sintetizou a necessidade desses três personagens terem suas vidas refeitas, mais que tudo. Começou ali. […] Eu não quis que a Greta recriasse um sentimento ou uma pessoa. Eu pedi que ela criasse uma Nora que a gente fosse descobrindo. O que começou como uma coisa tão pessoal virou um projeto que tinha mais a ver com o sentimento de uma pessoa que acompanhamos em diferentes fases. E o que eu mais estou adorando é ver como um filme tão pessoal e autobiográfico se tornou também pessoal e autobiográfico para o público.  

Pergunta – Sobre a escalação de Greta: você viu algo de si mesma nela? Qual foi o grande clique que fez você sentir que ela era a pessoa certa para viver Nora?  

Celine Song – Tenho certeza de que dá para perceber que o relacionamento que eu construí com meus atores é profundamente entrelaçado com o trabalho que fazemos. Só consigo descrever como uma forma de se apaixonar. Como quando você se apaixona, há aquele sentimento de que aquela é a pessoa certa. Eu sou muito questionadora e prática, então foi um negócio bem engraçado sentir imediatamente [que Greta era a atriz certa]. Ela tem a alma de Nora, uma alma que eu estava procurando.  

Pergunta – Greta, como você encontrou a forma da personagem de se expressar, tanto nos gestos quanto no elemento bilíngue do filme?  

Greta Lee – Estava tudo no roteiro. Neste caso, nós viemos pelo roteiro e ficamos pela diretora. E não tinha como a gente saber [como seria a experiência da filmagem] até que começássemos a fazer o filme. Sobre as escolhas de atuação, talvez o ritmo faça as pessoas acharem que improvisamos ou fomos descobrindo o tom no momento. Mas, na verdade, foi bem menos sexy que isso. Foi um processo muito cirúrgico, com muito trabalho e pesquisa. Fomos muito meticulosos. Para mim, isso foi um presente. Foi como alcançar notas, como se o arco emocional da personagem fosse ritmado. Estudamos os atores mirins [Moon Seung-a e Leem Seung-min] nos gestos, na parte física. Houve muita intenção por trás de cada momento. 

 Celine Song – Em um filme como esse, os limites e o que vai além deles estão totalmente no rosto do ator, né? É no rosto dele que toda a história acontece. Enquanto diretora, você precisa apoiar o ator em todo o processo. Claro que conversamos sobre o roteiro, mas tudo o que eu preciso fazer é confiar nos atores. É incrível o que Greta conseguiu e podemos falar sobre o trabalho prévio que ela fez, mas, no fim das contas, o importante é o trabalho que ela entregou no set depois de toda a preparação que fizemos. Toda a sutileza e todo o resultado vivem e morrem no rosto de Greta/Nora.  

Pergunta do Cine Set – Greta, você teve a oportunidade de trabalhar com Moon Seung-a, que interpreta a Nora mais jovem? Ela conseguiu também pegar algo da sua atuação de uma forma síncrona?  

Greta Lee – Acho que foi só em uma direção, o que foi incrível. Eu tirei muita coisa dela, mas acho que ela não precisou de mim. De verdade, não estou só falando por falar.  

Celine Song – As únicas pessoas com quem fiz testes de química foram as crianças, porque, claro, a química entre elas tem que ser poderosa o suficiente para sustentar uma ligação de 24 anos. Eles não têm muitas falas – eles basicamente dizem adeus um para o outro. Um desses testes de química, que foi filmado, foi uma fonte para a pesquisa da Greta e do Teo Yoo. A química entre os personagens deles tem que se manter como a química de quando eram crianças, porque foi ali que eles se conectaram. A filmagem desse teste é uma coisa que sei que a Greta estudou.  

Greta Lee – Absolutamente. Os gestos, a parte física, a risada e, claro, o choro também. Filmamos fora de ordem, mas o meu choro na última cena do filme tinha que ter ligação com o que Seung-a iria fazer em sua cena de choro na Coreia.  

Pergunta – Greta, você ensaiou com Teo Yoo pelo Skype e com John Magaro pessoalmente. Isso foi para você também uma forma de virar duas versões completamente diferentes de uma mesma pessoa, de uma maneira que rima com a narrativa do filme?  

Greta Lee – Esse momento da vida real de ser cercada por esses dois homens, de uma forma que Nora sente que está na fronteira entre dois mundos, é algo que só poderia acontecer se eu criasse dois mundos distintos com os atores. Tive muita sorte de contar com dois veteranos que colocaram tudo nesses papéis. Foi uma experiência muito gratificante e pessoal para todos nós.  

Teo e eu começamos [a ensaiar] pelo Zoom porque vivemos em países diferentes, assim como no filme, e isso nos deu ferramentas para construir uma conexão profunda em um curto período. E, a partir do momento em que estávamos no mesmo país, semanas antes das filmagens, também passamos pela experiência de duas pessoas que se veem [depois de conversas online].  

Já John e eu precisávamos criar um casamento maduro, profundo e crível. Amamos que o personagem de John não é um vilão, e, para que isso funcionasse, o amor entre Nora e Arthur precisava ser um retrato verdadeiro. Celine foi brilhante ao ter a ideia de manter os dois completamente separados até o momento em que eles se conhecem, no filme. Essa interação mostrou que eu sentia algo diferente com cada um deles, por vários motivos, incluindo o idioma, porque nosso corpo se comporta de formas diferentes conforme a língua que falamos.  

Celine falava coreano quando se dirigia a mim e ao Teo, quando estávamos filmando juntos. E aí trocávamos para o inglês quando estávamos com John, e tudo isso adicionou mais camadas, e, para mim, enquanto Nora, transitando entre dois mundos.  

Pergunta – Como o público tem reagido ao filme?  

Celine Song Assistir a esse filme, em particular, é uma experiência universal, porque o público chora e ri das mesmas coisas, entende? Não importa em que país eu esteja, eu sei quando os espectadores vão rir e quando vão chorar. E isso é muito especial.  

“Vidas Passadas” começou com uma sensação que tive em um bar, e agora [com as respostas do público], eu me sinto menos sozinha. Isso faz eu perceber que o que eu senti naquele bar não é só meu. Mas o filme conversa muito com o lugar no qual o espectador está em sua vida amorosa, no papel do amor na vida dele.  

Já ouvi tanto de pessoas comprometidas que, ao final do filme, queriam ir para casa e dizer o quanto amam a pessoa com quem se está, mas também ouvi de gente que questionou o próprio relacionamento. A mesma coisa com pessoas solteiras – já ouvi gente que disse querer reencontrar alguém do passado, e gente que disse que “Vidas Passadas” ajudou a superar um ex. É uma experiência pessoal. Eu vejo que uma pessoa de 16 anos que nunca se apaixonou e uma pessoa de 60 anos que já amou várias vezes vão responder diferente ao mesmo filme.