De um lado, uma das atrizes mais conhecidas do Brasil com uma carreira marcada por grandes sucessos no cinema e televisão. Do outro, um diretor que estorou com “Choque de Cultura”, uma sátira à crítica de cinema que se tornou fenômeno nas redes sociais. O encontro de Débora Falabella e Fernando Fraiha aconteceu na gelada Ushuaia, na região da Patagônia argentina para a realização de “Bem-Vinda, Violeta”.

Coprodução Brasil e Argentina, o filme relata o duro processo de realização de um romance a partir de um de laboratório criativo liderado pelo escritor Holden (o ótimo Darío Grandinetti, conhecido mundialmente por “Fale com Ela”). Segundo ele, o autor de um livro precisa libertar a fantasia e, para tanto, exige que seus alunos sejam os personagens de suas futuras obras. Débora encarna a protagonista Ana, a qual escreve uma produção em que a personagem principal chama-se Violeta. À medida em que o tempo passa, os métodos se tornam mais questionáveis e perigosos.

Nesta entrevista exclusiva para o Cine Set, o agora casal fala sobre o jogo entre os atores que dialogam no filme em espanhol, inglês e português, a casa fantasmagórica onde a produção foi gravada e sobre o método empregado por Holden em relação aos demais escritores do laboratório.

Cine Set – “Bem-Vinda, Violeta” utiliza algo visto recentemente em “Drive My Car” dos atores contracenando entre si em diversos idiomas. Aqui, inclusive, há uma cena de briga intensa entre a protagonista com a escritora/personagem cleptomaníaca em que se fala português, espanhol e inglês. Como foi pensada essa mistura de idiomas e para a Débora como isso fluia nas gravações?  

Fernando Fraiha A ideia sempre foi fazer esta residência multicultural até pela Débora já ter morado na Argentina e eu mesmo ter feito filmes por lá. Também fiz um curso nos EUA. E é curioso porque temos amigos de vários países. Dia desses, inclusive, saímos com um israelense que mora no Brasil e ele perguntava em português, a gente respondia em inglês e vice-versa. Isso ocorria quase naturalmente de forma orgânica a ponto de nem pensarmos neste aspecto. Há um lugar da intimidade entre pessoas de nacionalidades diferentes em que os idiomas fluem naturalmente, cada um fala no lugar que fica mais confortável.  

No filme, a textura dos vários idiomas era muito importante para construir essa Torre de Babel que era a residência do Holden.  

Débora Falabella – A minha personagem fala o tempo inteiro em espanhol, mas, ali, no momento da briga em que a Ana já está tomada pela Violeta, acho que ela solta a raiva em português mesmo porque já não faz questão de se querer fazer entender (risos). Logo, vira uma inglesa falando em inglês com uma brasileira dialogando em espanhol e, de repente, mudando para o português, o que amplifica esta confusão.  

Isso foi tão interessante quanto filmar “Bem-Vinda, Violeta” praticamente todo em espanhol, pois, é algo muito diferente e desafiador do que estou habituada a fazer. 

Fernando Fraiha – A Ana é uma personagem que quer agradar o tempo todo, sempre querendo falar um espanhol muito bom, todo bonitinho, há todo um cuidado no ritmo da fala para se fazer entender. O processo de ‘Violetização’ dela é uma espécie de libertação disso.  

Cine Set – A casa acaba sendo uma personagem importante com a sala ampla que distancia os personagens, os corredores extensos. Fernando, como vocês chegaram àquela casa e de que maneira ela acaba envolvendo aqueles personagens no clima que vai se tornando desesperador gradualmente? 

Fernando Fraiha Eu sou um cara muito ansioso como diretor. Quando sei que preciso fazer um filme daqui a três anos, por exemplo, eu já fico preocupado em não ter a locação exata nem os atores definidos ou que as cenas ainda não estão boas o suficiente. Em 2019, na época em que fazia o “Choque de Cultura”, tivemos uma pausa de duas semanas entre o fechamento dos roteiros e o início das gravações. Foi quando eu decidi ir para o Ushuaia para achar a casa. 

Todo mundo achou que eu estava muito ansioso e queriam mandar um produtor de locação, porém, como estava escrevendo sobre um local que nunca fui, bati o pé e acabei indo. Ao chegar lá, fiquei rodando pela região ao lado de um sujeito que havia trabalhado na produção do “O Regresso” com o Leonardo DiCaprio. Era 24 de junho, pegamos um jipe, tinha acabado de cair a primeira nevasca quando ele disse que tinha um lugar perfeito para o que queria. 

A casa estava toda destruída, detonada mesmo com os vidros quebrados e uma parte dela até queimada. Ao ver a degradação, eu pensei: “isso aqui é perfeito”. Voltei de lá apaixonado, mostrei as fotos para todos os produtores e começaram as tratativas.  

Débora Falabella – A casa realmente é tão importante quanto todos os demais personagens assim como a paisagem da Patagônia. O lugar era maravilhoso, cercado por um lago e com visto para as montanhas cheias de neve. Teve um trabalho sensacional da direção de arte para ajustar o local para o que queríamos, mas, era uma residência velha. Não tinha calefação, por exemplo, e, mesmo sendo verão, era um frio danado gravar lá dentro; batia uns três a cinco graus. Daí, era aquecedor, bolsa de água quente, chá, lareira para aguentar. 

Cine Set – O filme trabalha as últimas consequências destes processos de laboratório de criação artística em que, muitas vezes, quem está na posição de poder usa de diversas ferramentas, algumas bastantes questionáveis, para extrair o máximo do ator, escritor. Como vocês analisam tais métodos, sejam os visto no filme ou fora da tela? Já viveram experiências parecidas e como reação de vocês? 

Fernando Fraiha Sim, eu vivi uma experiência do tipo, mas, fora do campo artístico e sim no campo espiritual. Quando estávamos criando o método do Holden (personagem do ator argentino Darío Grandinetti), a ideia era expandir o conceito para aquele tipo de comportamento. Este universo de “Bem-Vinda, Violeta” não está circunscrito exclusivamente ao universo da arte. Há presidentes de empresas, líderes políticos e também religiosos que agem desta mesma maneira.  

O foco na elaboração do roteiro de “Bem-Vinda, Violeta” era trazer este grande líder supostamente capaz de dizer a verdade, unir as pessoas contra uma ameaça comum, mas, que, no fim das contas, tudo precisa girar em torno dele. Isso é visto aos montes mundo afora. Hoje em dia, estamos vendo muitos deles mais caírem, serem desmascarados do que em ascensão.   

Agradecimento especial à Sara Lopes, do Primeiro Plano, responsável por viabilizar esta entrevista.