“Nunca pensei que a minha vida fosse contada em um filme”. Desta forma, Ednelson Lima define a experiência de ser o protagonista de “Meus Pais, Meus Atores Preferidos” ao lado da esposa Lubia Bravo. Como o título deixa claro, o documentário com pequenos toques ficcionais tem como diretor Gabriel Bravo de Lima, filho do casal. A produção marca o segundo curta do jovem diretor e roteirista amazonense, premiado no Festival Olhar do Norte 2020 em Melhor Roteiro por “No Dia Seguinte Ninguém Morreu”. 

Mais do que aparecer na tela do cinema ou ver a vida retratada em um filme, Ednelson e Lubia nutrem um profundo orgulho pelo amor e dedicação do filho em relação ao cinema, o que os fizeram aceitar participar do filme sem nem pensar duas vezes. “Quando o Gabriel falou da ideia, fiquei surpresa e emocionada. Falei que apoiava e concordava”, disse a mãe. “Acompanhamos o trabalho dele, notamos o dom para o cinema e fiquei muito honrado” completou o pai. 

PARA ALÉM DO FILME AUTOBIOGRÁFICO 

A proposta de Gabriel para “Meus Pais, Meus Atores Preferidos”, entretanto, passa longe de ser um filme caseiro ou somente de assuntos confortáveis. Pelo contrário: o curta-metragem, em fase de finalização para concorrer em festivais, aborda temas delicados como a depressão do avô materno e o fato do pai ser adotado, convivendo com uma certa expectativa de encontrar os pais biológicos ao longo da vida.  

“Dentro disso, eu tinha o objetivo de mostrar como pessoas com caminhos opostos se encontram e criam uma vida própria. Vejo que há uma tendência de documentários autobiográficos no cinema mundial e quis fazer um filme com esta temática, mas, buscando outras alternativas”, revelou o diretor. 

As ‘outras alternativas’ incluem um tensionamento entre fatos e ficção com certos relatos dos pais sendo roteirizados para causar contradições (“daí, o nome que escolhi para o filme”, explica o diretor) e gravação de imagens com pegada mais experimental para ilustrar a narração dos pais.  

“Estas sequências foram filmadas antes das entrevistas com os meus pais. São quase como se fossem mini curtas, formando um filme só. Elas não chegam a possuir uma relação exata de ordem, mas, funcionam a partir da montagem. Nas imagens, busquei uma relação do corpo com a dança, cenas de casais sentados juntos, conversando; de pessoas brincando, pensando em um universo de relações românticas e familiares, indiretamente ligado ao que eles poderiam falar”, declarou. 

Gabriel ainda acrescenta que a principal referência para o curta foi “Os Laços que Unem”. Visto durante a cobertura que fez para o Cine Set do Olhar de Cinema 2022, o documentário em que a Su Friedrich traz um olhar sobre a trajetória da própria mãe, uma alemã, nem nazista nem judia, que viu a ascensão de Hitler e fugiu para os EUA, onde fixou residência. 

FAMÍLIA BRAVO DE LIMA E OS CORLEONES 

Diferente de uma parte significativa dos pais que temem as incertezas da carreira artística, Ednelson e Lubia são apoiadores incondicionais dos trabalhos do filho único no cinema. Antes de “Meus Pais, Meus Atores Preferidos”, os dois atuaram em “No Dia Seguinte Ninguém Morreu” mesmo sem nenhuma experiência na área.  

Perguntados de onde surgiu o interesse do filho no cinema em uma família que não tem tanta ligação com o cenário artístico, os dois suspeitam da influência de um clássico imortal. “Sou muito apaixonada pelos filmes do “O Poderoso Chefão”. Meu marido, então, foi na Bemol e comprou uma caixa, bem cara, diga-se, com a trilogia e que ainda vinha com os comentários do diretor. Todos os anos assistimos e, mesmo pequeno, o Gabriel estava lá conosco vendo também. Pode ter sido aí”, disse Lubia, que ainda recordou do trabalho final do curso de inglês sobre cinema que surpreendeu até mesmo o professor pela escolha do tema. 

Agora, no documentário, ambos encararam gravações que chegavam a durar 1h30 em um único dia – ao todo, foram três diárias – no estúdio da faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas, onde Gabriel se formou em jornalismo. “Fluiu melhor do que imaginava, eles responderam tudo o que perguntava. Engraçado é que meus pais contam histórias melhores do que eu. Coisas que achava que duraria dois minutos acabavam em 15 minutos pelos detalhes e pormenores – deve ser coisa geracional. Senti também que ambos estavam dispostos a falar de assuntos que, talvez, nunca tenham tido tempo para pensar ou externar mesmo – pelo menos, não na minha frente”, afirmou o diretor. 

“Eu estava muito nervoso, acredito que estava mais do que eles nas entrevistas. Ali, estava também pensando no filme, ainda que, inicialmente, não o olhasse como um documentário formal. Tinha receio se iria ou não encontrar o filme, algo diferente de fazer uma ficção que tem início, meio e fim. Minha preocupação estava em fazer as perguntas certas e relacionar os temas. Depois, fui percebendo que não havia como ter controle absoluto, pois, ou eles respondiam por um caminho inesperado ou traziam informações que jamais teria ideia. Deixei apenas tudo fluir”, completou. 

1 COLETIVO – NOVA PRODUTORA EM MANAUS 

Sem apoio de editais, “Meus Pais, Meus Atores Preferidos” somente saiu do papel por conta dos empregos de jornalistas do próprio Gabriel e do produtor e também roteirista Walter Franco. Os dois se conheceram na época em que trabalharam juntos no Cine & Vídeo Tarumã, tradicional cineclube da Ufam. A grana foi suficiente para pagar a alimentação e o deslocamento da equipe durante as filmagens realizadas em fins de semana, nos tempos vagos da equipe, no Centro de Manaus, em locais como a Avenida Eduardo Ribeiro e o centro cultural Casarão de Ideias. 

O documentário já levará a assinatura da produtora 1 Coletivo, criada por Gabriel para realizar os próximos filmes. Na lista, está uma ficção, um romance com três protagonistas, contemplada no edital Thiago de Mello de Novos Talentos a ser gravada neste segundo semestre de 2023.  

“Quero que “Meus Pais, Meus Atores Preferidos” seja um estabilizador para as minhas produções. Que o tempo não seja tão demorado por motivos de infraestrutura, equipamento. Desejo é me consolidar no audiovisual do Estado dando um passo adiante com este novo filme. Hoje, tenho parceiros com quem posso contar, experiência e contatos com produtores locais”, afirmou o diretor, o qual complementou que se prepara para abrir uma empresa da 1 Coletivo. 

Tudo isso seguido ao lado dos seus protagonistas preferidos e, acima de tudo, apoiadores: os pais. “Estou muito ansiosa por ele, pelas noites de sono que ele perdeu, os dias trabalhados. É difícil sim fazer um filme, mas, foi algo que ensinei: a vida é com muita luta e nada fácil. Sempre tentei colocá-lo com os pés no chão e na realidade. E o que vier é consequência”, afirma a mãe Lubia. 

Ficha Técnica – “Meus Pais, Meus Atores Preferidos”

Direção: Gabriel Bravo de Lima
Elenco: Ednelson Lima, Lubia Bravo, Andira Angeli, Larissa Baraúna, Fernanda Varela, ISIS, Rodrigo Buiu, Elânny Vlaxio, Eros de Sousa, Karlos Sena, Gabriel Bravo de Lima, Laís Baraúna, Lucas Aflitos, Walter Franco
Roteiro: Gabriel Bravo de Lima e Walter Franco
Produção: Walter Franco e Lucas Aflitos
Direção de Fotografia: Juliana Lira
Direção de Arte / Figurino / Maquiagem: Laís Baraúna
Montagem / Finalização: José Airton Veiga
Som Direto / Desenho de som/ Edição de Som: Beatriz Filizola
Assistência de Direção / Assistência de Fotografia: Rafael Rodrigues
Assistência de Produção: Leo Barbosa
Assistência de Direção de Arte: Amanda Rafaella