Recomenda-se que esse texto seja lido com a trilha sonora de John Carney.
Quando você relembra seus relacionamentos marcantes, que memórias lhe vem à mente? Que músicas e sensações atingem seus sentidos a ponto de soltar um sorriso imperceptível ou o coração apertar de saudade? Seguindo esse charme arraigado a nossas recordações sentimentais que “Modern Love” retorna para o seu segundo ano adaptando contos de uma das colunas do The New York Times.
De forma geral, esta é uma temporada inclusiva: temos mais histórias protagonizadas por personagens LGBTQIA+ e por outras etnias, além de embarcar para o Velho Continente nos três episódios em que John Carney, showrunner da série, assina roteiro e direção. Apesar de essa não ser uma prática do diretor, que costuma utilizar as cidades como um dos membros do elenco – igual fizera nas ruas de Dublin em “Apenas Uma Vez” ou nos principais pontos turísticos de Nova York em “Mesmo se Nada Der Certo” -, ele nos leva a viajar pelo Reino Unido para vivenciar duas das narrativas mais potentes da temporada.
Acompanhamos oito histórias que trazem como fio condutor as relações modernas, seja a acomodação que a pandemia nos impôs ou o despertar sexual. A temporada expande as ideias já vistas anteriormente, ofertando concepções mais contemporâneas da ligação entre os seres humanos, contudo de forma mais racional – ou seria este um efeito pandêmico? As situações soam mais tangíveis e identificáveis, entregando o que há de melhor na projeção: a ideia de que esses contos românticos são reais e pode acontecer com qualquer um de nós.
Nas trilhas de Carney
Esse ponto, na verdade, é uma das magias presente nos filmes de Carney. O diretor transpõe para as telas histórias possíveis e factíveis, sempre embaladas por uma boa trilha sonora. Essa que se mostra orgânica durante o decorrer dos episódios, seja por meio da música diegética no conversível da personagem de Minnie Driver ou da construção visual que parece ser moldada a sonoridade como no trem para Dublin.
A música é sempre um item determinante para compor suas narrativas e nos ajudam a compreender motivações e características dos personagens. É impossível para mim, por exemplo, escutar Circus, de Nerina Pallot, e não pensar em Cristin Milioti – a protagonista do piloto de “Modern Love” – e como nossa noção de família nem sempre é tão usual.
Narrativas empáticas e identificáveis
A montagem de Stephen O’Connel (Normal People) também auxilia no reconhecimento das narrativas e na empatia em torno dos personagens e suas vivências. Em “Como você lembra de mim?”, há um verdadeiro casamento entre o roteiro e a montagem, por exemplo. O episódio propõe diferentes percepções de um primeiro, único e marcante encontro.
Destrinchando lembranças e provocando a reflexão sobre como as emoções e intensidades variam e, mesmo assim, se mantém latentes independente do tempo de conexão e de distanciamento, evidenciando que o amor está nos detalhes. A trama salienta ainda o olhar maduro que o segundo ano oferece a produção.
Esse olhar torna-se mais potente quando observamos o primeiro e o segundo episódio. Em ambos, a maturidade dos sentimentos e da construção relacional são os condutores. Se por um lado, a relação dos personagens de Sophie Okonedo e Tobias Menzies esfrega na nossa cara que situações desagradáveis podem acontecer quando tudo parece se encaminhar, a história da mulher que transpôs para o carro o processo de luto pode nos levar a catarse sentida em cada um dos episódios da temporada inicial.
Vivemos em um período em que a dor da saudade, do luto, da partida prematura sondam-nos e, em muitos casos, nos predomina. Trazer essa discussão para uma série popularizada por discutir diferentes formas de amar deixa claro que, embora possa ser difícil por isso em palavras, o poder imagético do audiovisual completa o que não pode ser dito.
“Modern Love” mais uma vez acerta ao abordas histórias identificáveis em níveis diferentes. Situações que, por mais dramáticas que sejam, são reais e nos assombram com a sensação de que isso aconteceu comigo ou poderia ter acontecido. Não há nada tão forte em um romance quanto esse reconhecimento, esse sentimento de que essa também é a minha história.