Primeiro longa-metragem do diretor Gregorio Graziosi, “Obra” guarda certas semelhanças com o brilhante “O Som ao Redor”. Nas duas obras, o áudio se mostra muito mais que um elemento técnico, assumindo um personagem fundamental para ditar atmosfera daquele ambiente. Além disso, os filmes abordam o caótico ambiente urbano com o crescimento desordenado das cidades brasileiras.

“Obra” acompanha um arquiteto após a descoberta de ossadas humanas no canteiro de obras no terreno pertencente ao avó. Confrontado pelo mestre de obras (Júlio Andrade) , a novidade o abala profundamente, colocando toda sua vida em caos e complicações de saúde por uma hérnia de disco pioram ainda mais a situação.

Não há simplificações durante todo o filme para o público. Acompanhar “Obra” exige atenção e paciência para o desenrolar da trama. Muitas vezes, tudo parece não fechar e fazer sentido, porém, quando chegamos ao fim as peças se encaixam de tal modo capaz de dar a dimensão exata do drama do protagonista.

O surgimento das ossadas coloca em cheque toda uma vida. Terá a morte daquelas pessoas relação com a família dele e, especialmente, ao avô querido? Se não fosse esses sujeitos, ele teria a vida que possui? Caso o crime tenha sido cometido por algum familiar ou a mando destes, ele seria capaz do mesmo? Mas, e se tudo for uma terrível coincidência, como saber a verdade? O sofrimento silencioso do arquiteto aliado ao agravamento das fortes dores expõe esse cenário de tortura psicológica posto de forma brilhante por Irandhir Santos, disparado o melhor ator do cinema brasileiro dos últimos anos.

Graziosi, entretanto, vai além de transformar “Obra” em um drama/suspense sobre um determinado personagem para colocar em questão toda uma complexidade social muito maior. Ambientar a trama em São Paulo em uma fotografia em preto e branco com arranha-céus cortando o horizonte serve para questionar sobre quantas histórias são soterradas todos os dias para a expansão da construção civil e deixam de existir as memórias presentes nesses locais em troca de espaços providos pela impessoalidade. O problema, como ressalta a esposa do arquiteto, reside no fato de que o passado eventualmente emergir no futuro.

“Obra” se mostra uma grata surpresa do cinema nacional ao revelar o talento de um diretor e equipe de excelente técnica e visão social atenta para o caos urbano.

NOTA: 8,0