still_os_amigos-4340Os Amigos

Depois de um passeio pelo documentário em “São Silvestre”, Lina Chamie retorna à ficção com “Os Amigos”. E o título não poderia ser mais próprio: ali estão companheiros de filmes anteriores da cineasta como os atores Marco Ricca, Alice Braga, Fernando Alves Pinto e um grupo de crianças com a energia típica dessa idade. O doce sabor de leveza trazido pela produção ressoa tanto na tela quanto no espectador.

Inspirado na vida do herói grego Ulisses, “Os Amigos” foge de ser uma história banal ao mostrar um dia da vida do arquiteto Téo (Ricca) com toda a correria da cidade de São Paulo e marcado pelo velório do amigo de infância. Ao enfrentar esse complicado momento, ele acaba encarando o passado e analisa o presente ao longo daquelas 24 horas.

Domina por toda a projeção o espírito de se desprender das amarras cotidianas e se permitir ser feliz. Isso não significa largar o emprego, sair cantando no meio da rua ou conquistar a mulher amada com uma frase clichê; deixemos isso para as comédias românticas à la “500 Dias com Ela”. Em “Os Amigos”, o ato de fazer valer a vida está em ser atento ao mundo e as coisas que são oferecidas como a beleza das árvores e animais, ser generoso, brincar e, principalmente, fazer e cultivar amizades. A felicidade de cada garota e garoto no filme ao pular, correr e até mesmo em errar a fala faz parte desse clima leve.

Marco Ricca mostra, mais uma vez, a versatilidade tão característica ao compor Téo como um sujeito bacana e sensível em um momento intimista e de reencontro consigo mesmo, enquanto Dira Paes esbanja carisma e beleza ao criar um par romântico que nunca chega a ser escancarado, mas, as entrelinhas trazidas pela amizade dos dois são cristalinas. Elogios também para o grupo de atores infantis muito bem conduzidos por Chamie pela naturalidade atingida.

“Os Amigos” representa mais uma filme da excelente produção nacional sem espaço no mercado exibidor. Quem perde é o público ao ser privado de uma excelente obra de qualidade feita no Brasil.

NOTA: 7,5

Cleonice-Berardineli-e-Maria-Bethânia-HORZ-3-O-Vento-Lá-ForaO Vento Lá Fora

Pode ser apenas comigo, mas costuma sempre ouvir/ler comentários de que ir ao cinema serve apenas hoje em dia para assistir filmes com explosões e efeitos especiais. Se for em 3D, melhor ainda. Exemplos não faltam: “Interestelar”, “Gravidade”, “Guardiões da Galáxia”, “Os Vingadores”, “X-Men” e por aí vai. Não nego ser interessante ver estes blockbusters na telona e, muito menos, ignorar as novas formas de se assistir projetos audiovisuais seja na Internet ou dispositivos móveis. “O Vento Lá Fora”, entretanto, serve de exemplo para quebrar essa barreira e mostra como o cinema ainda possui um impacto único na imersão de um filme.

Dirigido pelo estreante Marcio Debellian, “O Vento Lá Fora” mostra as gravações e os bastidores do encontro entre a cantora Maria Bethânia e a professora Cleonice Berardinelli na Feira Literária de Paraty de 2013. As duas leem os poemas de Fernando Pessoa e seus heterônimos, além de conversar sobre a carreira do poeta português.

Tanto Berardinelli quanto Bethânia mergulham no universo de Pessoa ao declamar a poesia. A precisão exigida pela professora com cada palavra na entonação vão além do respeito à métrica ou em uma busca fria pela forma exata da pronúncia: dizer certo todas as estrofes permite o despertar da emoção e o sentimento exato pretendido pelo escritor português. Os olhos marejados e o encanto ao escutar aquelas palavras tão dissecadas por anos de estudo feitos por Berardinelli simbolizam o poder desse artista gênio.

E o som das palavras tão bem pronunciadas carregadas do sentimento intenso presente na poesia leva ao público a experimentar uma verdadeira dança com Bethânia e Berardinelli conduzida por Fernando Pessoa. Se o espectador se permitir fechar os olhos, poderá entrar em um estado de embriaguez hipnotizante por cada verso em um estado de imersão possível raras vezes vista no cinema.

Isso sem efeitos tecnológicos ou sequências grandiosos repletos de pirotecnia; bastam as palavras e a voz.

NOTA: 7,5