Você consegue viver longe do Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram ou do próprio celular durante quanto tempo? A dependência criada por nós mesmos desses aparelhos e aplicativos chegou a tal ponto na sociedade atual que deixamos de ser os controladores para sermos, na verdade, o controlado. Tudo para que consigamos viver conectados. Porém, estamos realmente ligados uns aos outros? Nossas relações se dão mais com os softwares do que realmente com as pessoas?

Através da visão do excêntrico diretor e roteirista Spike Jonze, “Ela” debate como homem moderno perdeu a capacidade de interagir com seu semelhante pelo medo da rejeição. Cresce, então, a paixão pelas máquinas vista no filme em um romance que o real e o irreal dialogam em um futuro não tão distante assim.

Funcionário exemplar da empresa BelasCartasManuscritas.com, Theodore é um sujeito distante do convívio social após o fim do casamento com Catherine (Rooney Mara). Sem amigos, passa a noite sozinho tentando passar de fase no videogame. Eis que o mais novo lançamento do mercado tecnológico surge e ele, claro, corre para comprar. Trata-se de um sistema operacional intuitivo (Scarlett Johansson) capaz de dialogar com a pessoa. Com o passar da convivência, o protagonista começa a se envolver amorosamente com a própria máquina.

Mesmo sendo um sujeito capaz de saber como fazer alguém feliz exemplificado ao redigir as mais belas cartas de amor, a paixão nutrida por Theodore em relação à máquina deve-se, acima de tudo, a incapacidade em não saber como encarar os desafios de um relacionamento real. O sistema operacional está acessível 24 horas por dia e não exige nada em troca; pelo contrário, a máquina o incentiva a tomar decisões paradas por um bom tempo, conversa sobre os assuntos que lhe são interessantes, arruma a bagunça. Não há conflitos, discussões, situações em que você precisa ceder ao contrário do ocorria com Catherine (Rooney Mara).

Temos a aprovação social que tanto buscamos ao publicar algo em uma rede social sem haver julgamentos ou segundas interpretações, contando ainda com o bônus do elogio. Cair de amores por um computador nessas circunstâncias acaba virando ideal para toda uma sociedade, vide cada plano aberto em que é possível perceber como todos ao redor estão apaixonados por seus respectivos aparelhos.

Tudo lindo, certo? Porém, e a consciência humana? Como afirmar para si próprio sobre essa mistura de sentimento real a partir de uma situação virtual? Mesmo apaixonado pelo SO, Theodore parece sentir a ausência da realidade, ou seja, de alguém para abraçar e beijar. A silhueta melancólica e o andar arrastado permanecem mesmo com toda a auto-confiança injetada pelo novo amor. O vazio da sala após a noite de sexo ou a falta de um corpo para estar ao lado ao acordar de manhã estão presentes em maior ou menor escala, sendo a atuação contida de Joaquin Phoenix a chave para entender esse processo. Para ilustrar essa ausência, Jonze remete ao mundo louco de “Quero Ser John Malkovich” e “Adaptação” em uma sequência de sexo à três (ou a dois?).

Nossa dependência das máquinas, entretanto, acaba por nos fazer perder o controle sobre quem realmente é dono de quem. O roteiro de “Ela” mostra com perfeição ao apontar esse caminho a partir da independência de pensamento alcançada pelo sistema operacional. A evolução chega a tal ponto capaz de deixar Theodore ultrapassado, pois, a máquina tem pensamentos mais equilibrados e racionais, além de sumir e voltar no momento em que desejar por já não se interessar pelo antigo amor. Scarlett Johansson faz o maior papel da carreira ao emprestar hesitações, risos, pausas e carisma à personagem utilizando somente a voz, o que permite ao público acreditar na loucura exibida na tela.

Com uma trilha sonora melancólica coroada pela deliciosa “The Moon Song”, “Ela” pode ser encarado com um estudo comportamental da sociedade atual presa cada vez mais presa em seus aparelhos eletrônicos pela incapacidade de se relacionar com outro ser humano e as consequências disso.

Nesse isolamento, vale tudo para sentir algo. Até se apaixonar por um computador!

NOTA: 9,0