Caro (a) amigo (a), se você um dia tiver a oportunidade de viver um personagem em um filme de terror, sugiro que escolha o do subgênero Giallo. Você com certeza receberá um tratamento fino de uma figura misteriosa e elegante que utiliza chapéu e luvas pretas do melhor couro italiano. Ele com certeza nutre um carinho passional e doentio por você e tentará de todas formas lhe transformar em pedacinhos para servir de souvenir. É uma morte de uma forma elegante que, apesar de brutal, será encenada como uma pintura de um quadro de Pollock. Em trocadilhos gerais, você passará desta para melhor, mas com estilo.

Caso você não saiba, este subgênero do horror, o Giallo, surgiu na literatura italiana em 1929, precisamente nos romances policiais e de suspense. Eles eram distribuídos nas bancas em formato de revistas e livros de bolsos. Nelas, um detetive investigava assassinatos misteriosos. O nome Giallo no italiano significa amarelo e não é à toa que estes romances apresentavam na capa esta cor.

Da década de 60 até o início de 90, os Giallos foram adaptados para o mundo cinematográfico em abundância. Inicialmente, as adaptações eram fiéis às novelas literárias, mas com o passar do tempo os filmes ganharam dimensões artísticas abrangentes, adicionando uma carga de terror psicológico e erotismo com forte influência do cinema de Hitchcock e do noir. Tudo isso regado a uma estética que romantizava a violência.

Por isso, a fórmula básica de qualquer filme deste subgênero é a seguinte: assassinatos em séries + um assassino misterioso vestido de luvas e roupas pretas de couro + arma afiada + doses de erotismo + mortes violentas + força policial incompetente + herói ou heroína que assumia a investigação para salvar sua pele. Pegue esta soma e divida pela resolução do mistério (e da identidade do assassino) sempre através de um Whodunit (recurso narrativo utilizado no cinema como reviravolta final). Pronto, você tem em mãos e já sabe o que consiste um Giallo na sua essência.

Por isso não nego que ele é o meu subgênero preferido no terror. Muito em razão da sua importância e por ter influenciado o Slasher americano e o Splatter oitentista (filmes com grande foco na violência gráfica e no sarcasmo). Sem contar que os maiores realizadores italianos criaram obras magníficas neste campo, trabalhos cheios de imagens e direção impecáveis.

Para destacar os Top 5 de Giallos, escolhi como critério apenas um trabalho de cada diretor que se destacou dentro do gênero. Obras-primas como “Prelúdio de Matar”, de Dario Argento, e “O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos”, de Lucio Fulci, não entraram. O primeiro por um motivo nobre que vocês saberão na próxima semana. Já o segundo é Hors Concours e pela vasta contribuição do seu diretor no subgênero, ficou fora para dar espaço a outros trabalhos. No restante ficaram as obras mais cults e desconhecidas do grande público. Por isso vamos colocar as luvas… ops, as mãos na massa e discorrer sobre os cinco que causaram grandes assassinatos.

5. A Tarântula do Ventre Negro (La Tarantola Dal Ventre Nero, 1971, de Paolo Cavara)

O primeiro da lista é o mais fiel à fórmula dos Giallos e ilustra com maestria todos os clichês deste subgênero. Destaca-se pela estética que explora planos ou ângulos inusitados e closes sempre bem colocados. Cavara adora ser cruel com o público e nos brinda com um assassino que paralisa suas vítimas com um veneno e as executa conscientes do que acontece, todas estripadas vivas pelo meliante –  metáfora que casa bem com o título do filme inspirado na ação parecida das vespas nos aracnídeos. Foi a rara incursão de Cavara no Giallo e até hoje ele é conhecido pelo documentário Mondo Cane. Outro destaque é o filme com elenco feminino mais estonteante da história: Stefania Sandrelli, Barbara Bach, Rossana Falk, Claudine Auger e Barbara Bouchet (três delas são ex-bond girls). Ainda temos a trilha do mestre Ennio Morricone.

4. Todas as Cores da Escuridão (Tutti i colori del buio/All the Colors of the Dark, 1972, de Sergio Martino)

Martino pode até não ter a pompa de um Argento, de um Bava ou de um Fulci, mas este injustiçado diretor reproduz com excelência a estética destes diretores. É um filme que mistura suspense com Giallo em uma trama psicanalítica sobre sonhos, traumas do passado, luxúria, perversão e ocultismo. Acaba  não sendo um Giallo no sentido mais estrito do termo. A estrutura barroca do filme é um casamento perfeito com os acontecimentos bizarros da trama. Há ótimos momentos – as sequências oníricas no início do filme e a perseguição nas escadas apresentam o estilo que um suspense merece. No geral, “Todas as Cores da Escuridão” é o seu trabalho que mais se aproxima visualmente de Argento. Ainda assim, denota um estilo próprio e marca o auge artístico do cineasta. A linda Edwige Fenech (atriz fetiche de Martino) nunca apareceu em qualquer outro filme, tão linda e indefesa quanto aqui.

3. O Esquartejador de Nova York (Lo squartatore di New York/The New York Ripper, 1981, de Lucio Fulci)

Há diversas controvérsias sobre este trabalho de Lucio Fulci, por sinal bastante vilipendiado por muitos. É inegável que os problemas são diversos no filme, principalmente o roteiro ruim, bem pior que qualquer outro filme dirigido pelo cineasta dentro dos Giallos. Por cima, conta com um assassino que imita a voz do Pato Donald (!!) e ajuda a tornar tudo tosco. Só que isso fica em segundo plano graças à ótima ambientação e as cenas de violência que são as melhores já criadas no subgênero – uma delas envolvendo uma gilete é de arrepiar. Em outras palavras, roteiro tosco, imagens fortes e um filme feroz. Por fim, Fulci faz sua versão bastarda da N. York de “Taxi Driver” de Scorsese. É um trabalho que representa a libertação do horror em doses psicóticas.

2. O Pássaro das Plumas de Cristal (L’uccello dalle piume di cristallo/The Bird with the Crystal Plumage, 1970, de Dario Argento)

Foi o primeiro trabalho de Argento e Giallo que assisti na minha vida. Por isso, o carinho especial pelo filme. Marca também a estreia do diretor no cinema e é o primeiro filme da trilogia dos animais (onde os animais do título dão as pistas finais para a descoberta do assassino). Argento brinda o espectador com um grande exercício mental de formar o quebra-cabeça do mistério e, assim como seu protagonista, somos desafiados a compreender exatamente aquilo que vimos e o que não vimos. A misé-en-scène ganha grande força pelos jogos de luzes e sombras, além da manipulação do ambiente. E o suspense é bem conduzido pela música de Ennio Morricone, oferecendo a atmosfera de terror e tensão necessárias para o filme, auxiliada pela fotografia de Vittorio Storato (vencedor do Oscar de melhor fotografia por “Apocalypse Now”). Marcou o início da grande fase dos Giallos e foi um sucesso surpreendente quando lançado nos EUA.

Resultado de imagem para Sei donne per l’assassino

1. Seis Mulheres para um Assassino (Sei donne per l’assassino/Blood and Black Lace, 1964, de Mario Bava)

Considerado por muitos críticos o precursor em dizimar os Giallos no cinema italiano. Nunca as cores da escuridão tiveram uma força tão grande nas imagens como nesta pequena aula de Bava em como encenar a estética no cinema fantástico. Toda atmosfera do filme é espetacular e o diretor ainda nos coloca como os cúmplices do assassinato. Presenciamos mortes brutais, mas não conseguimos virar o rosto porque Bava nos fascina com as imagens que oferece. E para quem gosta de enquadramentos elegantes, aqui tem o prato cheio para se esbaldar – a sequência da morte na banheira é um exemplo de visual magistral. Não é a toa que até Godard e Almodóvar já fizeram citações a este trabalho do cineasta em seus filmes. Aqui perversão e crueldade caminham de mãos juntas e nós acompanhamos tudo como marionetes sendo manipuladas por um gênio chamado Mario Bava.

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.