O premiado diretor de fotografia cearense, Ivo Lopes Araújo, está em Manaus realizando um mini curso de direção de fotografia. Tendo trabalhado em filmes de destacado sucesso de público e crítica, e premiado em festivais internacionais, o fotógrafo tem no currículo Tatuagem, O Homem das Multidões, Girimunho, Eles Voltam, Sem Coração, Quando Eu Era Vivo, dentre outros.

Num descontraído bate-papo, Ivo conta sobre a sua experiência no cinema, analisa o cinema nordestino, e ainda explica como, mesmo apesar de ter apenas 36 anos, é considerado “coroa” pelos seus três filhos.

CINE SET – Como foi a sua ida para a direção de fotografia?

IVO – Eu queria fazer cinema (risos). E é o que eu continuo tentando fazer, assim como começou, permanece. Queria fazer tudo ali, queria fazer filme. Eu acho que quase todo mundo tem um pouco desse desejo, alguns já conseguem dizer que quero ir por aqui, quero experimentar isso. Eu sou daqueles que resistem mais em dizer, sou isso, sou aquilo. Tem gente que consegue, vou fazer isso, se não der certo vou fazer outro. Eu fico ali olhando, sem conseguir escolher. Por isso que demorou tanto pra eu assumir que sou diretor de fotografia. Porque tem também isso, acho que a gente sofre dessa deficiência de formação, então a gente se subjuga mesmo. A gente diz: ah, eu não sou diretor de fotografia porque não fui pra Europa estudar isso, nunca fui assistente de câmera durante tanto tempo… o meu jeito foi muito… ninguém disse, agora você é um diretor de fotografia. Acho que é quando você começa a ganhar prêmio em festival que você começa a achar que é mesmo. Apesar de eu achar que, na maioria das vezes, quando você ganha prêmio em fotografia é porque o filme não tá… (risos). É brincadeira.

CINE SET – Você acha que é encarado como um prêmio de consolação?

IVO – É, prêmio de consolação, alguma coisa assim… Eu fico muito feliz quando os filmes ganham prêmios, quando eles mexem com as pessoas, isso para mim é a grande recompensa. Um premiozinho de fotografia quando tem um dinheirinho, é bom (risos). Mas a felicidade maior é essa mesmo, de ver o filme como um todo forte e mexendo com as pessoas. Acho que isso é o grande prêmio.

CINE SET – No futuro você pretende se testar em outras funções ou prefere ficar apenas com a direção de fotografia?

IVO – Como eu tenho uma coisa muito presente na minha vida, o Alumbramento, se tudo der certo, cada vez mais, a gente acaba fazendo muitas coisas. A gente bota o filme no ar, distribuição, eu faço produção quando tem que fazer, porque o jeito de produzir é meio dividido, então a gente pensa junto produção. Já cheguei a montar filme, fazer a assistência de direção, fiz um tanto de coisa lá. Hoje, realmente, a fotografia me tomou, tô meio viciado. Esse ano agora foi de muito trabalho, e eu falei: pô eu vou tirar umas férias no ano que vem, vou dar um tempo, trabalhar nas coisas do Alumbramento, e ficar até o meio do ano, pelo menos, sem filmar. Aí esses dias já recebi uma ligação me chamando para fazer um filme, e eu já fiquei muito a fim de fazer. É um vício mesmo. Você fica viciado em ficar ali no set, você ali trabalhando, está se relacionando, aprendendo, o tanto que a gente aprende… acho muito bom. Gosto muito de fazer esse trabalho, me sinto muito bem.

CINE SET – Sabe quantos filmes já fotografou?

IVO – Entre longas e curtas, sei lá, acho que tá perto de 40. Só de longa deve ter uns 15, 16, já perdi a conta porque tem muito filme que a gente faz em guerrilha, em 2,3 semanas. E eu conto com todos esses porque eles são maravilhosos.

CINE SET – Talvez o seu caso seja diferente, pois já tem um nome conhecido, e filmes de sucesso no currículo, mas você acredita que hoje, no Brasil, já é possível viver de direção de fotografia para cinema?

IVO – Acho que… muito. Tem muita gente assim. Até assim… porque direção de fotografia tem a publicidade, campanha política, TV, essas coisas todas que a galera faz para ganhar uma grana. Mas eu acho que dá. Eu tenho alguns amigos que estão vivendo disso no Brasil, fazendo filmes às vezes maiores, muitas vezes menores, e acho que a gente tem que se organizar para isso também, tipo vocês terem uma produção aqui que faça com que exista um trabalho continuado, porque a gente só consegue se desenvolver enquanto profissional, enquanto amador, trabalhando. A gente tem que brigar por isso. A gente vive num país gigantesco, muito centralizado em Rio/São Paulo. Não dá: Rio e São Paulo não representa o que é Manaus, o que é Fortaleza, não dão conta. E a gente precisa se ver, precisa se entender como povo autônomo. Então a gente tem que se ver mesmo, se relacionar, se libertar um pouco dessa colonização.

CINE SET – De que maneira você avalia o atual momento do cinema brasileiro?

IVO – Eu acho massa. Eu tô super feliz. Acho que está se fazendo um cinema bem interessante, nesse sentido de conseguir se aproximar do mundo em que a gente vive, trabalhar com a realidade ou a fantasiando, tentando fazer filmes que tem orçamentos menores. Acho que existe essa possibilidade de fazer filmes incríveis com equipes menores, isso é uma coisa que sempre rolou, não é nenhuma novidade. O Cinema Novo e a a Nouvelle Vague fizeram isso. Acho que isso é meio natural, vem sempre uma onda nova, a gente tem que fazer essa onda quebrar do jeito mais massa possível, e tem um monte de gente a fim, gostando, se curtindo , conversando, brigando, se entendendo, tentando melhorar. Precisamos inventar uma cultura cinematográfica, porque ela foi destruída, não tem mais. A televisão ocupa um espaço muito grande, então eu acho que a gente tem que inventar um público. Quando você olha pra Recife, e olha o que o Kléber já conseguiu ali naquela sala. O que alguns festivais vem fazendo no Brasil… o Janela de Cinema hoje é um festival gigantesco em Recife, construindo um público absurdo. Então eu acho que isso é trabalho, é um trabalhão admirável, que eu acho que a galera lá em Recife fez, todos os realizadores que tem lá, então a galera se uniu e tem um cinema forte.

CINE SET – Na sua opinião, a que se deve a força do cinema nordestino?

IVO – Eu acho que tem muitos motivos. O primeiro que me vem a cabeça é esse… desmanche na forma de produzir. Eu fico pensando que São Paulo e Rio tem um mercado muito forte de publicidade e televisão, que acaba dando uma engessada. O processo acontece muitas vezes, vai se repetindo e pode ficar morno. Saindo de Rio e São Paulo, as equipes, mesmo quando elas vão pra trabalhar no Nordeste, elas têm que se misturar com a equipe do outro lugar, eles estão fora de casa, tá todo mundo vivendo junto, então acaba dando uma desengessada, acho que isso é um fator. E não sei, acho que o Nordeste está forte culturalmente, uma mistura de gente, de urbanidade com índio, todo mundo misturado, uma certa desordem, acho que essa desordem gera um caos criativo e traz vida.

CINE SET – Conhece alguma coisa sobre a produção audiovisual amazonense?

IVO – Não.

CINE SET – Não ouviu falar nem do Sérgio Andrade?

IVO – Ouvi, eu conheço o Sérgio. Conheci ele quando ele tava com o Cachoeira no Festival de Brasília. Achei bem massa o filme, a fotografia é do caralho. Sei que eles estão filmando agora.

CINE SET – É uma novidade pra você viajar oferecendo cursos pelo Brasil?

IVO – Eu fui estudar no Rio, morei lá de 2001 a 2003, e quando eu voltei pra Fortaleza foi para dar aula no Alpendre. Foi ali que eu comecei a tentar conversar um pouco. Nunca consegui estabelecer uma metodologia definida, acho que é o meu jeito assim também, não muito convencional em dar aula, então eu fui assim conversando, sentindo como é. Mas já faz um tempo que comecei. Depois eu dei uma parada por causa de muito trabalho e agora está retornando. Rolou um curso em Belo Horizonte, outro em Salvador, agora vim para Manaus. Tô achando bom, porque eu sempre gostei de encontrar com a galera, sempre fui meio “galeroso”. No Ceará, a gente fazia um negócio muito legal que eram uns cursos no interior. Então tinham vários módulos, documentário, roteiro, direção de arte, fotografia, coisa e tal. No final, rolava a realização, e aí eu ia para fazer os filmes com a galera. E era uma loucura, pegava uma turma e passava uma semana fazendo o curta, todo mundo, às vezes equipes com 30, 40 pessoas. Era muito legal. Eu gosto bastante da coisa de fazer.

CINE SET – É a sua primeira vez aqui em Manaus?

IVO – É. Eu acabo não viajando muito. Por exemplo, os meninos… Nesses últimos anos eu acabei fazendo muita direção de fotografia. Os filmes do Alumbramento eu dirigi pouco, então acabei viajando pouco. Eu vou pouco para festival no final das contas. Eu consigo ir pra pouquíssimos. Esse ano, por exemplo, eu não fui em nenhum. Fui no começo do ano pra Berlim, que foi como férias. Tava passando o filme do Cao e do Marcelo lá (O Homem das Multidões), e eu fui. Mas depois disso acabou, eu não consigo ver muitas coisas. Não vi o Floresta de Jonathas, não vi um monte de filme, acabo vendo um link ou alguma hora que alguém me chega com um pirata (risos).

CINE SET – Uma pergunta indiscreta. Que diretores você mais gostou de trabalhar? De que maneira lidou com a diferença de estilos?

IVO – Isso aí é tipo um dossiê completo (risos). Cada pessoa é uma, cada uma tem uma relação que se estabelece, em um filme numa determinada condição de produção, então eu acho que é meio infinito. Mas é sempre diferente cada filme. Porque é como um grupo de amigos: cada um tem a sua personalidade e com qual a gente desperta uma personalidade nossa. Disso que a gente se nutre. Eu fico pensando num monte de amigos, de gente que eu tenho intimidade, depois de um processo tão próximo, e cada um desperta um senso de humor, brincadeira, seriedade, tensão, preocupação, é muito diverso. No final das contas são pessoas, pra além de diretores.

CINE SET – Mas que trabalho, dos que você fez, que você mais gosta?

IVO – É muito doido, porque até esse gostar… eu venho de um estilo, de um determinado tipo de cinema, me relaciono com ele, nem sei como nem por que, acho que tem a ver com o que você viu, com o que você se relacionou, com o que te toca… sei lá, é tão difícil entender porque que uma coisa te toca de verdade, um determinado estilo, um determinado autor. Mas de uma forma eu me relaciono com isso. Eu gosto do Kafka , vi na adolescência e ficou entranhado. Eu tenho um caminho que vai por aí, um silêncio… e às vezes, parece que por isso eu tenho uma tendência a gostar do que é mais parecido com isso, pelo gosto pessoal, mas ao mesmo tempo isso não é verdade. Porque o estilo não é o que faz a coisa ser boa ou não, e isso foi uma coisa que eu fui aprendendo vivendo, porque várias vezes eu fiz filmes com estilos que eu jamais optaria pessoalmente por eles, e são filmes que eu adoro.

CINE SET – Ah, você tá fugindo da resposta.

IVO – Tô não, é que é difícil mesmo. Tem filmes que são muito fortes, a experiência, e às vezes o resultado não sai tão forte quanto foi a experiência. É muito doido, porque fazer esses filmes diferentes vai mudando o espectador que você é. Eu não sou mais o mesmo espectador, a cada filme eu mudo radicalmente a minha visão. Mas eu acho que tem as questões que interessam. Eu adoro os processos mais anárquicos, com certeza.

CINE SET – Tatuagem parece ter sido um processo anárquico.

IVO – Tatuagem foi um mega processo anárquico. O Tatuagem mudou a minha percepção. Porque eu vinha de filmes pequenos, sempre fiz filmes menores, e acreditava que era importante fazer filmes menores, e que isso era o caminho, e o Tatuagem era um filme maior. Por mais que não tenha sido um filme de orçamento maior, mas era um filme de equipe muito grande, e é uma coisa que eu sempre fui pé atrás. E eu aprendi que quando dá certo com uma equipe muito grande é igual quando dá certo com uma equipe pequena, só que tem muito mais gente, então tem uma energia, uma explosão que é incontrolável, e isso eu acho maravilhoso.

CINE SET – Que realizadores você tem vontade de trabalhar junto no futuro?

IVO – Tem um monte. Eu tava brincando que se eu continuar a fazer filme com os amigos que eu já tô fazendo filme, acho que já vou ter muito trabalho pra uma vida inteira, e olha que ainda tem um monte de gente que eu gostaria de conhecer, trabalhar. Fico imaginando tipo o Miguel Gomes, deve ser muito interessante trabalhar com ele. Sei lá… o Clint Eastwood (risos).

CINE SET – Nomes brasileiros.

IVO – Tem alguns com os quais já trabalhei e gostaria muito de trabalha novamente. Doido pra Hiltinho (Hilton Lacerda, diretor de Tatuagem) fazer mais um filme, pra gente fazer o próximo filme.

CINE SET – Ele vai mesmo seguir a carreira de diretor?

IVO – Vixe, se ele não seguir ele tá lascado (risos), vou infernizar a vida dele. Tem o Serginho Borges, Clarissa Campolina, Marília Rocha, acabei de fazer um filme de novo com ela, um filme maravilhoso. Juninho Helvécio. E tem a galera do Alumbramento, que inevitavelmente a gente vai fazer ainda vários filmes.

CINE SET – Me explica essa questão do Alumbramento.

IVO – O Alumbramento começou a 8 anos atrás, a gente juntou uma galera, abriu uma pessoa jurídica, e começou a trabalhar. Galera que já era amiga, que tava sempre junta e tal. E aí começou, no começo eram 8, depois virou 9, 10, 11, 12, depois diminuiu pra 6, e agora são 6, e o negócio tá ficando mais careta, cada um foi seguindo um rumo. Amigos juntos, vivendo e trabalhando juntos, intensamente. E agora é isso, continua assim, mas antes a gente tinha coisa com outras linguagens, não era só cinema, e aí foi ficando mais a galera que tava a fim de fazer filme. Só filme doido, galera é hardcore. Agora vai ter uma Mostra Alumbramento cheia de convidados, de outros filmes também, a gente tá fazendo filme no Brasil todo, trabalhando com outras pessoas, cada um fazendo o seu filme também, se ajudando, divulgando.

CINE SET – Pra quem tá começando, o que é mais importante ter em mente para a direção de fotografia?

IVO – A minha dica é a pessoa não querer ser assimilada pelo mercado. Inventar um mercado, inventar um estilo. Quanto mais fácil a gente é assimilado pelo mercado, mais fácil ele joga a gente fora. É trabalhar, ter uma pesquisa séria, curtir o que está fazendo, encontrar parceiros, porque o cinema, principalmente pra quem quer ser diretor de fotografia, você vai estar sempre tendo que trabalhar com parceiros. Então procurar pessoas, procurar pessoas que estão realizando. Toda cidade tem alguém querendo fazer filme, e é com essa pessoa que a gente tem que estar junto, aprender junto, encontrando as pessoas que a gente tem uma ligação, que eu acho que é o melhor jeito da gente aprender. Assiste filme, faz. Uma coisa de cada vez, a gente não aprende tudo de uma vez, você não vai ler uma apostila e decorar tudo aquilo, você vai se relacionar aos poucos com cada uma daquelas possibilidades.

CINE SET – E o que vem para o futuro?

IVO – Agora, nesse momento, eu tô terminando um filme, que eu dirigi. Um média, tem 55 minutos. Um filme fora de qualquer padrão.

CINE SET – Pode revelar o título?

IVO – Medo do escuro. No começo do ano já deve estar passando por aí. Passando não, porque ele não vai passar… É um filme mudo, a gente vai apresentar ele fazendo a trilha ao vivo. É um filme fora dos formatos convencionais. A gente vai viajar com ele. A ideia da gente é viajar, espero estar bem ocupado no ano que vem, viajando pra vários lugares para mostrar o filme. É só nisso que eu tô pensando agora. Mas tem um monte de coisa. A gente tá fazendo uma série com o Canal Brasil, o desenvolvimento do Brasil através do trabalho, a gente tá escolhendo profissões, a ideia é fazer 12 lugares diferentes do Brasil, 12 profissões que a gente ache relacionadas a esse desenvolvimentismo recente. É um projeto Pernambuco/Minas/Ceará, e nossos parceiros de coletivos também estarão, serão 12 diretores diferentes. Também tô super empolgado, a gente acabou de fazer o piloto, foi maravilhoso. Sempre quis fazer coisa pra TV, fiz alguns DOCTV, acho que fiz uns 6, e acho muito legal essa ideia de passar na televisão filmes fora do padrão, abrir a mente da galera. Além disso a gente ganhou uns editais no Ceará, então eu acho que é um ano que eu vou poder ficar bastante por lá, que sempre foi um sonho, e eu acho que vai ser ótimo ficar lá e ficar fazendo essa turnê do filme, e trabalhar nessa série.

CINE SET – Qual o título da série?

IVO – Então, a gente tá com um puta problema no título, ainda não tá definido (risos), não tem nenhum nome bom ainda. Acho que a gente consegue produzir em 2015, no segundo semestre, e entrar no ar no final do ano, ou início de 2016. É bom, porque o ritmo de filme atrás do outro é muito acelerado, esse ano meus filhos estudaram em 4 escolas diferentes.

CINE SET – Você tem filhos?

IVO – Tenho 3. Uma de 13, outro de 8 e 5. Fui pai cedo, jovem.

CINE SET – E eles acompanham o teu trabalho? Eles não podem assistir todos os que tu fazes.

IVO – Não. De vez em quando a gente vê uns. É legal demais levar os filhos pro cinema pra ver um filme que você fez. Fui com a Iara, que tem 13, pra ver o Quando Eu Era Vivo, foi maravilhoso, ela curtiu, filme de terror. E eu cheguei muito feliz com ela, e disse querendo animá-la, porque pra filho a gente é sempre velho, e eu querendo parecer descolado, Iara, eu fiz um filme com a Sandy! Aí ela, quem é Sandy, pai? (risos). Essa molecada de agora não conhece mais, realmente eu tô coroa mesmo, ela tem toda a razão.