“Lá vem esses críticos mal amados de novo, detonar o filme que eu adorei!”. Se você está lendo este texto agora, com certeza já pensou isso alguma vez, correto? Pois é, este texto pretende aproveitar um fenômeno que acontece com certa regularidade, e que a chegada de Batman vs Superman aos cinemas despertou novamente: o fato de que um filme extremamente aguardado e adorado por fãs é detonado pela crítica.

Por mais incrível que você possa achar nessa altura do campeonato, existe um motivo para que discrepâncias tão grandes de vereditos surjam frente ao filme do seu super-herói favorito. Só para ilustrar a situação, tomemos dois sites de crítica bastante influentes: o Rotten Tomatoes e o Metacritic (que serve de “guia” para o também gigante IMDb).

No primeiro, o longa de Zack Snyder é considerado um “tomate podre”, com apenas 29% de pontos positivos na avaliação de críticos ao redor do globo, enquanto que o público, que também possui um espaço no site para dar sua nota, crava 73%, porcentagem considerada boa. Já no Metacritic, a nota dos críticos para o filme é 44 de 100, sendo considerado mediano, mas o público dá nota 7,4 numa avaliação de 0 a 10, uma nota novamente boa.

A diferença de visões sobre o filme continua entre os críticos de outras publicações, online ou não. Enquanto isso, pessoas que curtiram o filme partem para o ataque nas discussões sobre o assunto, em especial os fãs, uma vez que é natural que o senso de comunidade criado pela admiração a uma obra crie também o sentimento de autovalorização. Para os críticos, porém, nada disso importa. Mas por quê?

A questão da adaptação da obra para o cinema

Alguém que pretende produzir crítica de cinema é o que alguns teóricos chamam de ‘espectador ativo’. Mais que assistir ao filme e curtir a ida ao cinema, a pipoca melecada de manteiga ou as poltronas confortáveis de uma sala VIP, ele tenta equilibrar a experiência de estar ali e ver um filme com o fato de que precisa estar atento a como os elementos da linguagem cinematográfica atuam para trazer à tona os temas e simbolismos da obra. E sim, isso acontece mesmo em “Velozes e Furiosos”. Isso quer dizer que não nos divertimos? Não necessariamente; apenas buscamos algo a mais para além do que o momento nos proporciona de imediato.

No caso de um filme como “Batman vs. Superman”, os críticos têm um desafio a mais, que é o fato de que a obra é uma adaptação. Aí é comum que aconteça aquela situação que os fãs conhecem bem, e que alguns ODEIAM: o crítico avalia o filme sem citar a obra original e sem levar em consideração os paralelos ou modificações que a adaptação cinematográfica impôs. Enquanto que o fã assiste ao filme como que o complementando com os elementos que admira na obra original, o crítico não raro vê “apenas” o filme, sem a referência anterior.

Por mais que alguns (muitos) fãs se sintam irritados com isso, saiba que não há aí um erro grotesco do crítico. Na literatura sobre o assunto, preveem-se opções diversas sobre como produzir uma crítica e mesmo uma análise fílmica a partir desses “recortes”. Logo, pode-se falar sobre o filme em si e apenas ele, pode-se traçar os paralelos entre o filme e a obra original, pode-se focar nas questões de contextualização histórica (quando “Batman vs Superman” cita caos social ou terrorismo, por exemplo, ele fala tanto sobre nossos tempos quanto sobre o universo fictício da trama), sobre os simbolismos (quando se compara a “luz” do Superman-divino perante as “trevas” do Batman-humano, por exemplo)… pode-se também misturar tudo isso e muito mais.

É por isso que um bom crítico (ou, no mínimo, um crítico que almeja ser bom) entende quando os fãs mais fervorosos se irritam quando não se cita a obra original, mas não pede desculpas por isso. Nenhuma crítica é um veredito definitivo, especialmente no universo altamente interativo da web, e cabe inteiramente à curiosidade e posicionamento ativo do fã/internauta buscar tantas visões variadas quanto achar necessário. Mas se só quiser alguém para concordar com você, melhor buscar outro lugar, o que nos leva à pergunta:

Afinal, o que diabos esses críticos querem?!

Queremos o que queremos de todo filme para o qual somos designados a escrever sobre: que ele seja uma experiência fantástica. Porém, tal conceito é relativo. Se para alguns é fantástico ver o confronto entre Batman e Superman, para um crítico, é fantástico ver o confronto entre Batman e Superman numa luta bem coreografada e montada, conduzida a partir de uma narrativa que prepara o terreno para um clímax apoteótico, no qual a trilha sonora será utilizada na medida certa para criar a tensão entre os dois personagens e a fotografia ajudará a intensificar o caráter trágico e mítico da trama como um todo. Queremos que ecoe na memória por muito tempo o quão lindo, brutal e poderoso foi esse momento, e não apenas no tempo de exibição.

Mesmo que você não seja lá muito cinéfilo, é fácil perceber o que queremos a partir de exemplos. Peguemos um filme como o “Superman” (1978) original dos cinemas. Fãs mais velhos com certeza assistiram a esse filme e ainda se lembram dele com carinho, e mesmo o crítico mais “cricri” dá o braço a torcer pela importância do longa, além de elogiar a atuação de Christopher Reeves como o protagonista e Gene Hackman como o vilão Lex Luthor. Por outro lado, ninguém tem nada muito emocionante para falar sobre “Mulher-Gato” (2004), além do fato de ter inovado com uma protagonista negra, a atriz Halle Berry. Foi um filme não muito divertido que nada acrescentou à mítica de uma personagem fascinante. Acredite, você e eu merecemos mais que isso. Afinal, se o personagem e sua história são interessantes a ponto de agregar tantos fãs por décadas, por que teria que ser uma porcaria no cinema?

Resumindo, quando vamos assistir a um filme como “Batman vs Superman”, queremos sentir o que provavelmente o quadrinho original, considerado um clássico inquestionável do segmento, gerou em seus leitores. Perceba que isso não quer dizer que queremos uma adaptação fiel e idêntica à obra original, já que também é consenso entre os críticos que têm um mínimo de leitura sobre o assunto o fato de que existem diferenças próprias que devem ser respeitadas entre as linguagens de cinema e quadrinhos. Mesmo em um filme como “Sin City” (2005), uma das experiências mais extremas de aproximação entre duas formas de comunicar tão distintas, os pontos de interseção entre as duas linguagens impuseram seus devidos limites.

Dessa forma, uma crítica que se preze não tem como questionar o quão icônicos são personagens como Batman e Superman, e muito menos desdenhar dos quadrinhos nos quais se baseia a trama desse último longa. No máximo, pode apontar a inexpressividade de Henry Cavill na interpretação do herói no longa, questionar como a montagem cria um ritmo irregular (apressado no começo, enrolado no meio e minimamente interessante no final) e detonar o mal aproveitamento de uma grande atriz como Amy Adams. Mesmo para um crítico que eventualmente seja um grande fã dos quadrinhos, não há como fechar os olhos para eventuais pisadas de bola porque o conhecimento sobre cinema e a paixão por falar sobre ele para outras pessoas é mais forte.

E só para não dizer que o texto tenta puxar o tapete da tentativa de fortalecer um universo DC no cinema, podemos fazer um minuto de silêncio por todos os péssimos títulos de personagem da rival Marvel nos cinemas: “Quarteto Fantástico” (todos: 1994; 2005; 2015); “O Justiceiro” (2004); “Hulk” (2003); “Elektra” (2005); “Capitão América” (1990); e “Demolidor” (2003). É impossível não ver os filmes atuais do Capitão ou a série do Demolidor hoje, sucessos de público e crítica, e não ver o quão ruins foram as produções dos anos 1990 e 2000. Agora imagine se todo mundo tivesse achado esses filmes fantásticos anos atrás só porque os quadrinhos são legais. Estaríamos dando nosso dinheiro pra consumir porcaria até hoje!

Isso quer dizer que os fãs são burros?

Se os críticos veem o filme para além do momento e tomam para si uma posição diferente do espectador médio, em especial, do espectador que vai ao cinema propenso a achar que um filme é bom por ser fã da obra original, isso quer dizer que os fãs são burros? Não obrigatoriamente; afinal, pessoas idiotas existem em todas as formas e tamanhos, mas não é muito lógico categorizá-las apenas a partir do que elas pensam sobre um filme.

Wallpaper de Batman vs Superman

Ver discrepâncias como as avaliações de público e crítica quer dizer simplesmente que cada parcela do público vai ao cinema calcado em suas intenções. O fã pode, por exemplo, supervalorizar o quanto o Batman de Ben Affleck faz alusão à versão do personagem idealizada por Frank Miller, não se preocupando tanto com as firulas maçantes que são a assinatura de Zack Snyder na direção. O espectador médio, que não é nem cinéfilo e nem fã de quadrinhos, pode também achar bacana ver o quanto é ousado o plano de Lex Luthor para fazer com que os dois heróis partam pra porrada, sem dar a mínima para como Jesse Eisenberg reconfigura a apresentação do vilão a partir de seus tiques nervosos e motivações megalomaníacas.

Já o crítico tenta entrar no cinema com nenhuma impressão a priori, deixando que o filme dite seu ritmo para que ele o case com o que sabe sobre cinema, pensando, depois, em como defender ou atacar o filme com um mínimo de fundamentação, já que dizer apenas “gostei” ou “não gostei” não é crítica, nem cinematográfica, nem de nada. Trata-se apenas de parâmetros diferentes, já que cada tipo de público pode buscar algo diferente do tempo que passa dentro da sala de cinema.

É dessa maneira que agora você pode entender um pouco os motivos de uma obra com a qual você se divertiu tanto ser mal avaliada. Mais que isso, é uma forma de dizermos também que nenhuma crítica é definitiva, inquestionável, e que confronta-las é bacana a partir do momento em que se usam argumentos para isso, a partir do momento em que se diz “não concordo com seu ponto de vista PORQUE…”. O mundo precisa de pessoas capazes de questionar e defender ideias. Se quadrinhos, cinemas ou qualquer outra coisa ajudar nesse processo, tanto melhor.