Mesmo com a miríade de imagens, reportagens e relatos pessoais da vida em Serra Pelada, o monumental garimpo erguido no Pará na década de 1980, as tentativas de apreender a sua combinação explosiva de ambição, brutalidade e desamparo, que deram ao local o seu aspecto assombroso, pareciam estar além das possibilidades de um filme – até a chegada deste aqui, o novo trabalho de Heitor Dhalia (O Cheiro do Ralo, À Deriva). Serra Pelada, sua crônica da dissolução da humanidade em dois amigos, só perde, mesmo, para o magnífico conjunto de fotografias de Sebastião Salgado, feitas no auge do garimpo, como um retrato próximo do que deve ter sido aquilo.
Na trama, Joaquim (Júlio Andrade, de Gonzaga – De Pai pra Filho) e Juliano (Juliano Cazarré, atualmente como o Ninho de Amor à Vida) são amigos de infância em São Paulo, que ouvem falar das jazidas de ouro descobertas em Serra Pelada e partem para lá, em busca do sonho de enriquecer. A saga deles é elementar – o mesmo arco de felicidade fugaz e brutalidade inevitável que já se viu em filmes como Scarface (1983), e que tem um exemplo atual muito mais agudo na série Breaking Bad –, e algumas falas são francamente ruins – “esse lugar piora a gente”, chega a exclamar um desolado Joaquim –, mas a trama não chega a ser um problema.
De fato, a trajetória de Joaquim e Juliano é só uma moldura para o que realmente interessa no filme: a vida no garimpo. Conhecemos a rica fauna local, com homens que cometeram desvarios como fretar um avião para um prostíbulo, comprar carrões inúteis ou torrar o dinheiro em cachaça inflacionada; as prostitutas e homossexuais que garantem a satisfação sexual dos garimpeiros, mas também provocam disputas mortais; e os traficantes e corruptos que de fato mandam em Serra Pelada, financiando a exploração dos “formigas” (os garimpeiros, numa expressão certeira) e contrabandeando o ouro para conseguir melhores preços. É esse rico painel, inquietante em sua semelhança com uma vasta porção do Brasil atual, que torna o filme tão interessante. Dhalia vai fundo na sua representação da febre do ouro – tão fundo que chega a pôr na tela, de forma literal, o delírio provocado em Joaquim pela malária.
Tanto quanto na recriação impecável do garimpo, a força do filme reside no elenco. Júlio e Juliano dão aos seus personagens a profundidade que por vezes falta aos diálogos – o último, em particular, brilha no retrato de um homem sem nada a perder, disposto a qualquer violência para realizar suas ambições. Sophie Charlotte (a Amora de Sangue Bom), embora se destaque menos, incendeia a tela com sua beleza, como a prostituta cobiçada por Juliano. Matheus Nachtergaele, como o “capitalista” Carvalho, tem pouco tempo de cena, mas impõe a postura sinistra de seu personagem. Por último, Wagner Moura está absolutamente fantástico como o corrupto Lindo Rico, uma criação personalíssima, sui generis, de um ator que é sem dúvida alguma o melhor em atividade no Brasil agora. Aterrorizante em sua calma cool e simpatia que destoam do lugar, o ator rouba cada cena em que aparece – e é talvez a encarnação mais perfeita, entre os tipos que compõem o filme, da insanidade que foi a experiência de Serra Pelada.
Também merecem destaque a trilha sonora, cheia de clássicos bregas que formam um contraponto irônico às situações mais violentas, a direção de arte, pelos impressionantes ambientes do garimpo e da cidade próxima (“a Las Vegas do Pará”), além dos figurinos de época, e a fotografia de Ricardo Della Rosa, com seus tons terrosos e amarelos que casam à perfeição com as imagens de arquivo usadas no filme.
No geral, Serra Pelada é um dos filmes brasileiros mais notáveis de 2013, e um verdadeiro alívio após tantas comédias nacionais equivocadas e medíocres. Mostra a evolução contínua de Dhalia, que se mostra um estudioso sutil das pulsões psicológicas que movem as pessoas, e merece tranquilamente o preço do ingresso.
É sim amigo, Marcia Ferreira e o outro da música ô ô eu te amo meu amor é o cantor Frankito Lopes. abraço.
Olá por favor, quero saber o nome das músicas e também o nome da cantora (se é a Marcia Ferreira ou não) nas cenas onde aparece o garimpeiro Juliano junto com a prostituta
Compartilho um texto que escrevi sobre o filme…
Serra Pelada, o filme versus a história?
Esses dias fui ao Shopping em Marabá assistir ao filme Serra Pelada, na segunda ou terceira seção aberta ao público, no novo único cinema da cidade. A euforia era grande, assim como a expectativa diante daquele momento, para mim, histórico. No cinema lotado, saltavam aos olhos vários senhores de idade que, mesmo antes do filme começar, lançavam frases do tipo: “eu participei dessa história”. Quando o filme começou, concentrei-me em seu enredo, mas em alguns momentos percebi vozes narrando acontecimentos por parte de quem participou deles na vida real e ali estavam. O que era incômodo para alguns, tornou-se a cereja do bolo para mim: o cinema estava repleto de personagens.
Com o desenrolar da película comecei a questionar se aqueles que o assistiam e protagonizaram esse momento da história do Brasil, realmente poderiam se sentir partícipes daquela narrativa. Entretanto, durante a exibição um fato era inquestionável: todos estavam atentos ao clima tenso, à fotografia impecável, à contagiante trilha sonora, ao formato hollywoodiano (em tempo, personagens, roteiro…) apresentado. Realmente é de perder o fôlego, um excelente entretenimento.
Mas aqui não quero me restringir ao filme em si, pois não sou crítico de cinema. Embora tente tatear em alguns assuntos cinematográficos e faça do filme o meu pretexto, aquilo que desejo fazer com este texto é uma análise de um sobrevivente destas bandas do Brasil que assistiu a um filme que trata de sua realidade próxima.
Antes de qualquer argumento é necessário que se diga: o filme realmente prende a atenção! E por ser bom é que tem uma capacidade magistral de construir, talvez pelo seu tom documental, uma marcante narrativa histórica ficcionada sobre Serra Pelada. E como toda narrativa histórica, a maneira em que é contada, quem a conta, quando e quantas histórias são contadas, quais são seus protagonistas; isso tudo, depende de maneira direta do poder, das relações que constroem as formas de narrar.
Uma película de orçamento superior a 10 milhões de reais e pretensões hollywoodianas, com um baita patrocínio da Caixa Econômica Federal (Instituição financeira fundamental na história do garimpo), além da Petrobras, de uma empresa de corretagem, inclusive de ouro, entre outras e, ainda, distribuído, além de outras distribuidoras, pela Globo Filmes, logicamente que seria uma trama que centralizaria pontos da história deixando outros sem explicação, ou mesmo no esconderijo da memória dos garimpeiros.
Mas para entrar definitivamente no filme, o primeiro ponto que gostaria de ressaltar é o lugar de onde se constrói a narrativa. O filme conta a saga de dois amigos que saíram de São Paulo para se empanturrar no eldorado amazônico, o que, aliais, concretiza-se depois das várias reviravoltas que o filme dá: um final feliz, portanto. Isso pode de imediato não parecer muita coisa, mas é fundamental, pois por essa perspectiva de ver a história, define-se de onde se fala e do que se deseja falar. Os olhares sobre o lugar não vêm de um nordestino que chega a pé, ou mesmo de um “furão” (sujeitos conhecidos por entrarem de forma clandestina no garimpo, furando o bloqueio da Polícia Federal), mas do professor de São Paulo.
A história é, portanto, um acessório de luxo para um trailer que pretende mostrar como um lugar pode piorar um homem, isso tudo, com pitadas de um enfadonho romance e uma exagerada dose de faroeste.
O fato de nenhuma cena ter sido gravada em Serra Pelada, ou mesmo no município de Curionópolis ou Marabá, sendo apenas Belém filmada no Pará, demonstra o sobrevoo alto feito pelo filme em relação à história. A recriação da vila do “30” em cidade cenográfica, ou mesmo da própria mina, não seriam problemas se isso não significasse um distanciamento em relação ao lugar e as pessoas do lugar, suas histórias, suas análises, suas vidas…
O segundo ponto que gostaria de ressaltar advêm do primeiro: a covardia histórica do filme. Várias são as lacunas e os apagamentos e acredito que tudo o que não se mostra por opção é devido ao que por decisão se quer mostrar.
Qualquer um que queira entender um pouco mais de Serra Pelada deveria compreender o que foi, antes da descoberta do garimpo, a Guerrilha do Araguaia. Não há como falar de Serra Pelada sem tocar nesse fato marcante e um tanto ocultado da História do Brasil. Ainda no início da década de 1970, pelos caminhos do Araguaia, um movimento organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) contra o regime militar brasileiro eclodiu entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins (na época Goiás) e trouxe para a região um enorme aparato militar de repressão, aparato este até hoje presente na paisagem de Marabá, na forma de brigadas, batalhões… E é nesse cenário que a Figura de Sebastião Curió assume relevância, pois o mesmo comandará a repressão ao movimento. Seis anos após vários assassinatos e o aniquilamento das lideranças do movimento, em 1980, o que significaria para o Governo Militar do Brasil a descoberta da maior mina de ouro do mundo nas proximidades do Araguaia e de lugares onde havia uma efervescência de um movimento dos posseiros pela terra? A resposta é óbvia: financiamento do “perigo vermelho”! Por isso, o mesmo sujeito que agiu contra a guerrilha virá com a intenção de fechar o garimpo: Sebastião Curió, que também não é personagem nem ficcionado no filme.
A operação frustrada de fechamento do garimpo gerou um aparato de vigilância, controle e punição comandado por Curió no local. E, nesse particular, os relatos mostram que a maior violência praticada no garimpo era a dos próprios policiais. São vários os relatos de chacinas, impedimento para a organização de cooperativas e de mortes envolvendo o aparato de repressão, com a intenção de deixar o clima cada vez mais tenso, que caminhasse ao fechamento do garimpo para os garimpeiros. Logicamente que é preciso que se diga que alguns grupos internacionais ligados à mineração, associados ao Estado naquele momento, não viam com bons olhos aquela concentração humana, mas o fato é que não existe nenhum personagem de destaque no filme que esteja ligado ao Estado.
O faroeste amazônico que alguns matam por prazer, outros sem motivo nem planejamento. Os fatos mostrados pelos fatos para que o sangue seja protagonista das cenas é uma imagem um tanto distante do que a memória histórica dos garimpeiros revela. Não que a violência não existisse, mas não eram apenas as rixas entre donos de barranco, ou o frenesi da ganância que matavam. Não podemos esquecer o massacre de São Bonifácio que ocorreu em Marabá na ponte sobre o rio Tocantins, em 29 de dezembro de 1987. Conflito entre os garimpeiros de Serra Pelada e a Polícia Militar do Pará com o auxílio do Exército Brasileiro que registrou setenta e nove garimpeiros desaparecidos, não sendo identificada nenhuma morte por parte das tropas da Polícia e do Exército. Talvez as melhores metáforas do faroeste amazônico sejam o conjunto de massacres, protagonizados pelo Estado e sua polícia, que aqui deixaram marcas em guerrilheiros, em garimpeiros, em sem terra…
A terceira linha de raciocínio que gostaria de retratar é uma contradição bem simples e evidente: a Caixa Econômica Federal, principal financiadora do filme, recebeu, segundo o Banco Central, mais de 900 quilos de ouro extraídos de Serra Pelada, mas não repassou o dinheiro aos garimpeiros, que há mais de vinte anos cobram mais de R$ 400 milhões deste banco, que nega o montante do débito e tem conseguido, por meio de manobras judiciais, retardar o pagamento. No filme, quando se fala da Caixa, apenas se mostra o preço justo pago pelo ouro… Mais uma vez coloca-se o curativo para não mostrar a ferida aberta.
O último ponto que gostaria de deixar para a reflexão é a falta de preocupação do filme com Serra Pelada. Embora seja demarcado temporalmente, talvez o filme pudesse, mesmo que através de metáforas, tratar da dramática situação atual do garimpo… Lógico que seria pedir demais diante de todos os argumentos anteriores. Mas o fato é que vivemos hoje uma nova corrida do ouro em Serra Pelada comandada pela empresa canadense Colossus que conseguiu o direito de lavra da mina através de acordo com a Cooperativa Mista dos Garimpeiros de Serra Pelada, acordo que começou com a distribuição dos minérios extraídos em 51% para a empresa e 49% aos garimpeiros, mas que se modificou em favor da empresa posteriormente e hoje está envolvido em um conjunto de denúncias do Ministério Público, que encontrou depósitos da empresa em nome particular de garimpeiros, bem como irregularidades nas eleições da cooperativa associada. De todo modo, o clima é de tensão total, não sem razão um acampamento de mais de quatro mil garimpeiros envelhecidos foi montado em frente ao portão central da empresa que cercou a mina e opera com ajuda de escoltas armadas e da própria tropa de choque da polícia militar. Esse atual contexto não parece objeto de preocupação de diretor, dos atores…
Como os domínios de representação que são criados pela indústria cinematográfica criam verdades e difundem uma narrativa histórica única dos lugares, este texto é apenas para dizer: outras histórias devem ser ditas e ouvidas de Serra Pelada.
Bruno Malheiro, 19 de novembro de 2013.
Professor do Curso de Educação do Campo UNIFESSPA/ Marabá
Deixei de especificar a profissao do meu pai.
Era piloto e o caso aconteceu com ele.
Realmente poderiam rever a faixa de classificação.
Mas como ouvinte de pessoas que viveram o alge de Serda pelada, o filme NÃO deixou a desejas. Ache que foi sim muito bem a sua releitura, prostituiçao,sofrimento, pessoas perdendo a vida na “pistolagem.(ouvi varios destes casos) e a triste realidade do sonho do ouro que é continuar com a procura insensatemente e acabar voltando pra casa se dinheiro algum.
Meu pai foi um dos varios que trabalhou lá com historias, em um dos que aconteceu com ele foi um garimpeiro fretar dois aviões em para si e o outro só pra levar o seu chapeu.
Adorei o filme!!!!
O foda do cinema brasileiro ainda é isso…muitas cenas de sexo pra um roteiro só, foi o caso de Faroeste Caboclo e também o de Serra Pelada, quando é que os cineastas brasileiro vão deixar de apelar para cenas pornôs no lugar de criatividade cinematográfica?
O filme é otimo, quem nao gostou pega a matinê do filme lagos azul.kkkkkk
Amei o filme; demonstra bem a realidade do que foi do que aconteceu naqueles dias e naquele local e acho ate q foi bm moderado pois acredito q na realidade foi bm pior. Se é pros nossos jovens aprenderem sobre a história que aprendam a verdade.
Quanto moralismo barato da crítica feita pela visitante! O filme é muito bom e merece ser assistido.
Todo sexo e violência deste filme são perfeitamente contextualizados, pela realidade ligada a história de Serra Pelada. Não há cenas de sexo desnecessárias por mera pornografia. Palavreado elegante não fazia parte da realidade das pessoas naquele lugar.A história fala de poder e dinheiro, não poderiam faltar certas realidades. O filme não exagera em nada apenas para chamar a atenção e apelar.É ótimo!
Gostaria de deixar registrado que o filme é muito pornográfico e um palavreado muito chulo. Cenas de sexo explícito sendo que estava com uma classificação de 14 anos. Se um adolescente está apto a ver um filme deste estamos realmente caminhando para uma grande desvalorização do sexo e da família. O que estamos ensinando para nossos jovens? ? Acho que deve ser mais claro a classificação e mais explícito a pornografia do filme. Estávamos num grande grupo mais de 10 pessoas e fomos obrigados a sair do cinema. Quero deixar minha insatisfação com o filme.