“A maioria das pessoas nunca encontra esse tipo de amor. Nem por um verão”

Uma protagonista negra segura de si e disposta a lutar pelos seus interesses. Um amor que ultrapassa os anos e a distância. Por mais que isso soe piegas, tinha esperança que esse não fosse o andamento que Eugene Ashe daria ao seu filme protagonizado por Tessa Thompson (“Westworld”, “Thor: Ragnarok”). A produção disponível na Amazon Prime Video, porém, não foge aos clichês das histórias românticas.

Acompanhamos Sylvie (Tessa Thompson), uma jovem que trabalha na loja de discos de seu pai. Ela se apaixona por Robert (Nnamdi Asomugha), um aspirante a saxofonista que consegue um emprego na mesma loja em que ela trabalha. A partir disso os dois vivem uma história de amor entre encontros, desencontros e tensões sociais que atravessam uma década.

O brilho de Sylvie

Não é de se admirar que o filme leve o nome da personagem de Thompson, já que é sob seu prisma que a história toda acontece. Sylvie desde jovem mostra-se interessada por querer alcançar status maior do que o conservadorismo dos anos 60 e 70 reservaria a uma menina negra do Harlem. E, como em toda história tradicional, ela corre em busca de seus sonhos até que os alcança.

Em contrapartida a sua figura marcante, tem-se Robert. O saxofonista possui uma condição social abaixo da amada e, por conta disso, mesmo que involuntariamente, toma decisões que sempre o empurram a obscuridade. Enquanto Sylvie parece estar destinada a brilhar, suas decisões o levam a auto colocar-se em segundo plano. Como diria uma das minhas canções favoritas de “Hamilton”, há algo nele que não permite que esteja satisfeito com o que tem. E isso ocorre em todos os momentos de sua vida, seja quando é um jovem solteiro em busca do sucesso, quando está onde almejava chegar ou quando vai a Detroit.

Mergulhados da Nova York dos anos 60

Essa relação se vincula as cores presentes em tela. A fotografia de Declan Quinn (“Hamilton”, “A Cabana“) alinhada a cenografia recriam a Nova York dos anos 60 e a decadência do jazz na cidade. Mas cada ambiente dialoga com a personalidade dos protagonistas. Quando Robert, por exemplo, tem as respostas que almeja no mundo musical, os figurinos são preenchidos por cores quentes como o vermelho do vestido da personagem de Jemima Kirke. Porém, seu ambiente é constantemente dominado pelo azul. Curiosamente, Sylvie começa o filme utilizando variadas tonalidades da cor do amado, no entanto, conforme seu personagem evolui, o figurino e ambiente da protagonista assumem matizes mais quentes e se tornam mais iluminados, apontando mais uma vez seu status como o destaque da narrativa.

O maior mérito da produção de Ashe reside nessa ambientação. A combinação de cores, a fotografia e a trilha sonora nos leva a uma sensação nostálgica, não apenas do período a qual a trama se passa, mas da própria leveza do relacionamento e dos romances clássicos de Hollywood. É uma história de amor que relembra as vivenciadas por Audrey Hepburn, Vivien Leigh, Julie Andrews, Katherine Hepburn, entre outras.

Embora seja banhado de clichês e empecilhos já vistos em outros filmes, durante a projeção é possível esquecer um pouco das mazelas que o mundo pandêmico aflorou. Por um lado, isso é bom, no entanto, atesta o quanto a trama é genérica.

“O Amor de Sylvie” é um filme agradável e perfeito para quem quer curtir um romance previsível com uma boa trilha sonora. O brilho de Tessa Thompson e a persistência de Sylvie valem a pena.

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