Acredito que quando nós críticos escrevemos sobre determinada produção, devemos ser objetivos e apresentar com clareza as nossas impressões sobre a obra. Claro, gostos são subjetivos e nem todos irão concordar com o ponto de vista do autor. Porém, ajudamos a dar aquela “empurradinha” na questão do entendimento do filme, série, minissérie, etc.

Não foi o que aconteceu ao assistir “A Garota da Foto”, o documentário mexeu bastante comigo. E, aqui e agora, não escrevo como crítico do Cine Set, mas escrevo como Lucas, comum como todos os outros, e uma pessoa carregada de atravessamentos que, ao assistir uma produção como esta, me senti gatilhado e empático em relação a uma história absurda.

A HISTÓRIA

O filme, muito bem dirigido por Skye Borgman, esmiuça o pior do sujeito homem. A maldade em seu estado bruto, cruel e pervertido. E a condição da mulher, sempre em situação de vulnerabilidade emocional, financeira, sentimental quando se vê encarcerada por esse homem que lhe aprisiona de todas as formas. É um documentário que causa dor, dores físicas inclusive, repulsa e a total descrença dessa libertação das mulheres (e aqui eu abro um parêntese para frisar: não somente as mulheres, mas todos os grupos minoritários, tais como negros, indígenas e LGBTQIA+) existir de fato, enquanto o poder do patriarcado ressoar.

O homem sabe que sua brutalidade nociva e cercada de privilégios, se for branco, independente da classe social, mais ainda. Franklin Floyd é um psicopata genuíno tinha certeza do seu poder, da sua força e que poderia passar despercebido pelo resto de sua vida, viveu uma vida desregrada entre prisões e fugas, causando terror por onde passava, especialmente para com a jovem Sharon ou seria Tonya? Melhor dizendo, Suzane.

Tudo começa em meados de 1974 quando Floyd se casa com Sandra Willet ela vai presa em uma determinada época por passar um cheque sem fundos deixando suas filhas com o padrasto. Ele entrega as meninas mais novas para adoção e some com Suzane Marie Sevakis. A partir daí a vida dessa menina torna-se um verdadeiro terror inimaginável. Ela cresce com novo nome, Sharon Marshall e tendo ele como figura de pai. Aparentemente uma adolescente normal, cheia de sonhos, amiga, inteligente, queria ser cientista e consegue passar em uma Universidade com bolsa. Mas dentro de casa, o terror existia. Ao engravidar ela e o pai se mudam com novos nomes, Tonya e Clarence Hughes, respectivamente, agora, marido e mulher e para piorar ele a obriga a ser stripper para… lhe sustentar.

‘AS GAROTAS DA FOTO’ ESPALHADAS PELO MUNDO

Se você chegou até aqui lendo isso e sentiu o seu estômago embrulhar, recomendo que respire fundo e assista, pois o documentário, com misto de entrevistas, dramatização e reportagens vai fundo nessa história bizarra que te deixa tremendo de ódio. A construção que Borgman, já conhecida por explorar em documentários casos bizarros como (“Sequestrada à Luz do Dia”), vai fundo na ferida e busca por duas respostas fundamentais: qual foi o fim de Michael (filho da garota da foto) e quem é essa garota, qual o seu verdadeiro nome, qual a sua origem?

Coisas que nem ela, se viva, conseguiria responder, pois teve sua vida, história e construção enquanto pessoa violada, violentada e abusada de todas as formas. E ele? Um psicopata da pior qualidade e totalmente consciente dos seus atos, frio, calculista e manipulador.

Há um tempo fiz a crítica de “Men”, outro filme que bastante perturbador que, em linhas gerais, fala desse patriarcado violento, furioso. E “A Garota da Foto“ disseca sobre isso: o poder que esse homem tinha sobre essa garota e as outras vítimas que fez, era um homem obcecado em ferir, enquanto Suzane/Sharon/Tonya via a sua vida passar em vão e despercebida. Os depoimentos são igualmente tristes.

Especialmente quando se ouve a versão dos pais dela, ainda vivos, impossível não sentir repulsa por algo que poderia ser bem diferente. E se? Mas não foi! O mais triste dessa história é que há muitas Suzanes espalhadas ao redor do mundo presas em relacionamento enraizado na dor, do sofrimento e violências tão brutas que não há forças para fugir. São dores estruturadas em uma sociedade tóxica de um patriarcado que sabe como ferir e ainda se manter nesse lugar que eles mesmos se colocaram: os donos da vida.

Franklin Floyd ainda está vivo, no corredor da morte esperando a sua vez.

“A Garota da Foto” e “Sequestrada à Luz do Dia”, dirigidos por Skye Borgman são produções originais da Netflix.