Diante de situações catastróficas, muitas pessoas se indagam como que não perceberam tudo ter chegado até o limite. Pensei muito nisso enquanto assistia “A Garota Radiante”. Dirigido pela estreante Sandrine Kiberlain (atriz conhecida por obras como “O Pequeno Nicolau”), o filme acompanha Irene, uma jovem parisiense de origem judia no início dos anos 1940. Cheia de vida, ela parece não perceber – ou finge muito bem – como a questão política social está influenciando seu cotidiano.   

A forma como a diretora remonta o dia-a-dia do jovem adulto do período é curioso. A começar pelo cenário  artístico-cultural em que acontece a trama de “A Garota Radiante”: o irmão de Irene toca clarinete no conservatório e, apesar do desejo do avô que siga o mesmo caminho, ela sonha em se tornar atriz. A personagem interpretada por Rebecca Marder nos é apresentada, por exemplo, como se estivéssemos diante da câmera de Eduardo Coutinho em “As Canções”, quando, na verdade, o que vemos é um teste de teatro que a acompanhará no decorrer de toda a projeção. Esse primeiro encontro também se torna determinante para que percebamos o quão aquém da realidade ela se encontra.   

Irene preenche um arquétipo intrigante, pois, ao mesmo tempo em que parece uma jovem de seu tempo, tem  certa conexão com a juventude contemporânea. Afinal, ela é irritante com a família, provocativa, dissimulada com os mais velhos e está sempre em busca de viver aventuras que lhe deem prazer. Simultaneamente, a personagem principal é ingênua e vive tão autocentrada em seu sonho de conseguir o papel almejado que se aliena do contexto em que se encontra.   

ALERTA DOS PERIGOS AO REDOR 

 

O roteiro de “A Garota Radiante” é sagaz em trazer os dramas do início da juventude para serem as maiores preocupações de sua jornada, ao mesmo passo em que insere de forma substancial o quanto a perseguição aos judeus atinge a família e os amigos, seja pela preocupação do avô na sua permanência no conservatório, na matriarca da família que teme entregar o passaporte ou na namorada que deixa o irmão quando o cerco aperta. Todos os indícios estão diante de nós e da protagonista; ela, no entanto, concentra-se ainda em viver um romance, nem que para isso tenha que forjar uma doença inexistente a qual dialoga perfeitamente com a sua condição alienada.   

Nesse caminho, Kiberlain utiliza os nervos e hormônios aflorados da juventude para discutir formas de divagação e de alienação social por meio da falta de percepção dos problemas familiares, dos incômodos particulares de seus amigos e a ausência de seu parceiro de teatro.  Como não notar a tempestade se formando em meio a tantas angústias? Irene prova ser capaz disso e o corte final abrupto é a maior evidência e consequência de sua falta de atenção e sensibilidade.   

“A Garota Radiante” demonstra de maneira modesta e didática como não percebemos o crescimento das catástrofes políticas e sócio-culturais até que os extremos tenham dominado a realidade. Tudo isso serve de alerta sobre como esses perigos estão presentes e o quanto a divagação e o egocentrismo são determinantes para se ter uma venda sobre os olhos e os outros sentidos, é necessário estar alerta aos sinais.