Chegou a hora de falar dos cinemas de Manaus a partir da tentativa de estreia de “Noites Alienígenas”. Este é um tema caro ao Cine Set: desde que iniciamos ainda como blog do Set Ufam lá em 2009, sempre citamos por aqui as ausências de filmes pelas telonas da capital amazonense.  

Quantas e quantas vezes não fiz listas no fim do ano das principais produções que ficaram de fora das salas locais ou publiquei matérias dizendo que o filme X ou Y não teriam estreias por aqui, o que gerava uma onda de reclamações nos comentários dos posts ou nas redes sociais? 

Ali em 2012, o Cine Set criou uma página para pressionar redes de cinema e distribuidoras a trazerem determinados filmes para Manaus. Foi assim que chegou “Azul é a Cor Mais Quente”, por exemplo. Fizemos também um debate, em 2014, na UEA sobre o tema com pessoas importantes no audiovisual local como Keila Sankofa, Tom Zé, Rod Castro, entre outros. 

Nesta busca por uma maior diversificação das obras lançadas em Manaus, o Cine Set fechou parceria com o projeto Cinema de Arte, idealizado pelo crítico cearense Pedro Freire, e exibido diariamente no Cinépolis do Shopping Ponta Negra. A pandemia, infelizmente, fez a iniciativa ser descontinuada. Também apoiamos e demos destaque para o surgimento do cinema do Casarão de Ideias, marcando o retorno do cinema de rua ao Centro de Manaus.  

São tantos e tantos anos que admito que fiquei cansado de falar sobre o assunto e até lamentar a ausência de algum filme. Eu me sentia repetitivo em um verdadeiro samba de uma nota só. Também houve a mudança nas formas de acesso e consumo de filmes com a chegada dos streamings e de certos meios alternativos para obter filmes. Por isso, reservava este tipo de conteúdo apenas para o período do Oscar, pois, ali era certeiro que muita coisa que precisava ser vista em uma sala de cinema não chegava por aqui – foi o que ocorreu nesta temporada com “TÁR”. 

Desta vez, porém, vou precisar quebrar esta pausa para falar do descaso com que “Noites Alienígenas” está sendo tratado pelos cinemas de Manaus. Já vi muitos lançamentos feitos de qualquer jeito, sem o menor cuidado, porém, igual ao longa acreano só recordo de “Tatuagem”, baita filme pernambucano com Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa exibido em uma única sessão às 23h de um sábado de carnaval no Playarte do Manauara Shopping. 

O PANORAMA DOS CINEMAS EM MANAUS

Vamos começar a contar esta história: Manaus hoje conta com 61 salas em atividade, sendo 60 em shoppings e apenas o Casarão de Ideias como cinema de rua no Centro da cidade. A cidade conta com complexos das redes Kinoplex (Amazonas Shopping), Cine Araújo (Shopping Manaus Via Norte) e Centerplex (Shopping Grande Circular). As duas empresas dominantes, porém, são o UCI com dois complexos (Manauara Shopping e Sumaúma Park Shopping) e 18 salas no total, e a mexicana Cinépolis com 26 salas em três complexos (Shopping Ponta Negra, Millenium Shopping e Manaus Plaza Shopping). 

Como acontece nas demais cidades do Brasil, estes cinemas de shopping se concentram nos blockbusters de Hollywood, quase sempre dublados, abrindo pequenas janelas para exibições de obras brasileiras, voltadas para um cumprimento de qualquer modo da cota de tela para produções nacionais.  

Para piorar, os preços dos ingressos são cada vez mais impraticáveis: hoje, no Cinépolis do Millenium Shopping, por exemplo, a entrada mais barata custa R$ 27 a inteira; no UCI do Manauara Shopping, o valor cai apenas R$ 1. Isso para não falar do preço de pipoca e refrigerante… Somente o Casarão de Ideias destoa dos concorrentes com preços mais em conta: R$ 16 a inteira.  

Também precisa-se levar em conta a distribuição dentro da cidade destes complexos: das 61 salas, metade delas está situada na zona centro-sul, a mais rica de Manaus. A zona centro-oeste conta com 10 salas também localizada em um bairro para lá de rico que é a Ponta Negra. A Zona Norte só foi ganhar o primeiro complexo em 2015 com o UCI Sumaúma. Hoje ainda conta com o Cine Araújo no Manaus Via Norte.  

Já a Zona Leste tem apenas o Centerplex, aberto em 2017, pouco mais de cinco anos atrás – isso em uma região que se expandiu de forma considerável nos últimos anos. A zona sul, porém, perdeu o Cinemark após mais de 20 anos de operação no Studio 5 – hoje quem mora no Japiim, por exemplo, precisa cruzar uma parte da cidade para ter acesso a uma sala de cinema. Essa distribuição desigual reflete bem a própria cidade com todos seus abismos sociais e econômicos. 

O LANÇAMENTO ATRAPALHADO DE “NOITES ALIENÍGENAS”

Era neste cenário que “Noites Alienígenas” precisava se encaixar para estrear em Manaus. O longa chegou no dia 23 de março em Rio Branco e expandiria o circuito nacionalmente na semana seguinte, uma escolha estratégica acertada da Vitrine Filmes, distribuidora da produção, afinal, o fim de semana não trazia nenhum blockbuster para dominar as salas – o maior destaque era a comédia “O Urso do Pó Branco”. Logo, havia uma esperança de que a obra acreana pudesse ganhar um pouquinho mais de destaque nas salas locais até por conta da regionalidade nortista e do ator amazonense Adanilo. 

À medida que as programações dos cinemas de Manaus começaram a ser lançadas, ficou claro que este cenário era uma expectativa muito otimista: Cine Araújo, Centerplex, UCI e Kinoplex ignoraram a estreia do filme. O Cinépolis seria a salvação: se o complexo do Manaus Plaza era difícil por ser mais voltado para filmes populares, restavam os shoppings Ponta Negra e Millenium. Se o Ponta Negra não deu confiança mesmo com as salas Vips, o Millenium abriu espaço para “Noites Alienígenas”. 

“Legal, né? Pelo menos um?” Infelizmente, porém, a realidade era outra: quando você dava uma olhada mais atenta para a programação via que não era bem assim. Afinal, a programação do Cinépolis tornava a vida do público interessado em assistir ao filme um verdadeiro desafio: a única sessão era às 18h45. Isso em um shopping localizado entre duas das avenidas mais movimentadas da cidade – Constantino Nery e Djalma Batista – em pleno horário de pico do trânsito infernal de Manaus. 

Dava para piorar? Claro que sim!


O programador do Cinépolis não satisfeito com este péssimo horário resolveu tirar as sessões de sexta e sábado do filme. Tudo para exibir a pré-estreia em versão dublada de “Dungeons & Dragons”. A única sessão disponível no fim de semana fica para domingo. Logo, todo discurso de assistir “Noites Alienígenas” na semana de estreia para ajudar a mantê-lo na programação, aqui, em Manaus, praticamente vai por água abaixo.
 

Bem, não tem mais como piorar, não é mesmo, Caio? Se você ainda acredita nisso, talvez, ou eu ainda não tenha sido convincente até agora ou você é muito otimista. Na quinta-feira, 30 de março, dia da primeira sessão prevista para “Noites Alienígenas” no Cinépolis, após muita divulgação nos sites locais e pela própria equipe do filme nas redes sociais, a exibição foi cancelada. Detalhe: sem aviso prévio algum.  

Segundo os funcionários que mal sabiam da existência do filme e demoraram a entender sobre que “Noites Alienígenas” era aquilo que eu gostaria de saber, um problema na sala provocou o imprevisto. Desta forma, o longa acreano passou de cinco para apenas quatro sessões no Cinépolis. 

Soa como um descaso tão grande que chego a me perguntar se valeu mesmo a pena este lançamento no Cinépolis. Uma obra tão importante como “Noites Alienígenas” para o cinema brasileiro e, acima de tudo, para a Região Norte, merecia um tratamento muito melhor do que está tendo. Não sou idealista de pedir a maior sala de cada complexo em Manaus para exibição do filme em quatro sessões diárias – ainda que fosse o mundo ideal -, porém, ver o filme estrear sem poder passar na quinta, sexta e no sábado, três dos dias de maior procura para um lançamento, é jogar contra o público e a obra por dificultar o acesso. 

Vale destacar também que o mesmo aconteceu com “O Rio do Desejo”: a produção rodada em Itacoatiara, no interior do Amazonas, com grande divulgação em todas as mídias, estrelas globais e tudo ficou apenas uma semana em cartaz nos cinemas de shoppings: no UCI com uma sessão diária às 20h10 e no Cinépolis Millenium nos impeditivos horários de 14h00 e 16h10. Aí, realmente fica difícil defender… 

O ALENTO DO CIRCUITO DE MANAUS

Diante deste caos, resta torcer para que “Noites Alienígenas” chegue logo ao Casarão de Ideias. A expectativa é que o lançamento ocorra no feriadão da Páscoa. 

O cinema do Casarão, aliás, acaba sendo um alento na programação da cidade neste circuito comercial. Afinal, o público pode ter acesso aos principais lançamentos da produção brasileira – somente em 2023 já foram lançados os excelentes “Raquel”, “Medusa” e “Mato Seco em Chamas”. Nenhum deles, diga-se, sequer cogitados nas salas de shoppings. Isso para não falar de obras internacionais como o belga “Close”, o austríaco “Corsage” e o dinamarquês “Holy Spider”. 

Há quem critique o cinema do Casarão por certas questões estruturais, especialmente, o isolamento acústico que, de fato, acaba sendo um problema quando o espaço está mais cheio e até o tamanho da sala – são pouco mais de 30 lugares -, mas, a qualidade e, principalmente, a diversidade dos títulos da programação compensam estas questões. Cabe aos cinéfilos de Manaus prestigiarem os filmes que lá estão, afinal, cinema também se faz de números, de bilheteria e não apenas da arte e do debate que a obra pode gerar.