Uma frase convencional é de que toda arte é política. Embora seja um clichê para produtores culturais progressistas, é preciso concordar quando a mente por trás do projeto é Maria Augusta Ramos. Responsável por produções como “O Processo” e “Juízo”, a cineasta expõe em “Amigo Secreto” como a Operação Lava-Jato contribuiu para a crise política que o país se encontra no momento.

O filme parte do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de desmascarar o caráter político parcial da operação liderada por Deltan Dallagnol e o ex-ministro da justiça Sérgio Moro. Ramos acompanha a rotina de jornalistas do The Intercept Brasil e El País Brasil na cobertura do que ficou conhecido como “Vaza Jato”, em 2019.

O melhor de “O Processo”

Em muitos aspectos, “Amigo Secreto” emula o que foi positivo em “O Processo”. É um filme informativo, ágil, acessível e objetivo na narrativa que pretende abordar. Diante do dualismo que a política brasileira se encontra, a produção se insere como um repositório da história recente da nação. Expondo de forma dinâmica e simples como os passos para tirar do poder pessoas chaves do Partido dos Trabalhadores não passavam de movimentações políticas com tonalidades fascistas.

A montagem assinada por Karen Akerman (“O Processo”, “A Febre”) torna o filme mais fluido e pouco cansativo. A escolha de acompanhar os jornalistas em seu processo de apuração pode não parecer de imediato, mas oferece protagonismo à mídia independente, exacerbando o quanto seu papel é importantíssimo dentro de uma nação fragilizada por Fake News. O jornalismo, com seu teor de imparcialidade, serviço à comunidade e investigação foi primordial para que as falhas da Lava-Jato fossem desmascaradas. Augusta Ramos consegue pontuar isso ao deixar que estes detetives sejam os protagonistas e guias da narrativa escolhida.

O cinema comunicacional de Maria Augusta Ramos

Ao possibilitar que os jornalistas entrevistados circulem pelo filme como se compusessem a equipe de produção, cria-se uma identificação destes com o público, que passa a compreender a tensa rotina do trabalho e a apreensão por apresentar contribuições para algo que alterou os rumos do país. Mesmo assim, fica claro também o quanto esse peso investigativo não é o suficiente para manter tais redações em funcionamento no país – a informação do fechamento da sucursal do El País no Brasil é um exemplo disso. 

O cinema da diretora, enquanto vinculador e veiculador de informações, se ocupa dessa perspectiva narrativa de denúncia. Particularmente, vejo a arquitetura do roteiro como algo curioso e sagaz. Diferentemente de outras produções que tratam a política nacional dos últimos 10 anos, Augusta Ramos não precisa se colocar dentro da narrativa para compreendermos o ponto de vista que quer nos apresentar.

As imagens diretas como de reportagens – ou a montagem destas -, vídeos da internet e as entrevistas com os jornalistas, como numa reunião de pauta, desmistificam as Fake News, endossam o trabalho do profissional de comunicação no país e torna crível a jornada apresentada em tela. Soma-se a isso os depoimentos de figuras diretamente envolvidas no processo da Lava-Jato, como o de Alexandrino Alencar, da Odebrecht.

A ligação entre essas imagens e as de protestos e movimentações em torno de Jair Bolsonaro fortalece ainda a conexão entre as decisões da lava-jato e o reflexo do país durante a pandemia.

Em “Amigo Secreto”, Maria Augusta Ramos investiga as injustiças que assombram o sistema político brasileiro, marca registrada de seu cinema. Aperfeiçoando-se cada vez mais em criar conexão com o público e narrar de forma fluida e direta as crônicas que nos levaram a situação em que nos encontramos. Sua arte é política, simbólica, necessária e atraente.

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