Quando o primeiro “Aquaman” chegou aos cinemas, houve uma exaltação que me assustou. A reação nas redes sociais de certos setores do público dava a sensação de estarmos diante de um clássico instantâneo. Minha crítica com o título ‘Nível Ruim da DC faz filme parecer aceitável” talvez seja um contraponto pesado para uma produção que cumpre o que promete, mas, agora, cai como uma luva para esta continuação. 

Afinal, “Aquaman 2: O Reino Perdido” estreou com o pesado fardo de ser o filme de encerramento do conturbado Universo DC – pelo menos, este que conhecemos até o ressurgimento em breve com James Gunn. Para quem chega com a missão de fechar o caixão de um projeto que claramente teve mais problemas que êxitos e em um ano tenebroso para o estúdio com os esquecíveis “Shazam 2” e “Besouro Azul” e o deliciosamente caótico “Flash”, a superprodução dirigida por James Wan consegue se salvar por ser o “menos pior”. 

Para além do nível baixíssimo de comparação, o segundo filme do herói se beneficia de como Jason Momoa se encaixou ao personagem e vice-versa. O estilão roqueiro e rebelde se choca com a necessidade de crescer seja pela paternidade, seja por comandar o reino de Atlântida. Se a inconsequência continua ao dormir em uma chata reunião política e nas mijadas que leva na cara do filho, acompanhar como Aquaman também amadurece – à sua maneira, claro – encarando os desafios que lhe são colocados trazem uma bem-vinda pequena evolução.  

Fora que, igual o original, “O Reino Perdido” apresenta sequências belíssimas graças aos efeitos visuais de primeira linha ao explorar toda a fantasia e cores possíveis. O momento à la “Querida Encolhi as Crianças” com o detalhismo de cada inseto e planta são daquelas coisas que somente o dinheiro sem fim de Hollywood pode proporcionar. 

PREVISIBILIDADE TOTAL 

Carisma e grandes efeitos visuais, entretanto, não são suficientes para esconder o esgotamento criativo de “Aquaman 2: O Reino Perdido” e do gênero das adaptações de HQs como um todo. São duas horas de um filme que é possível antecipar tudo o que ocorre com cada personagem e situação a léguas de distância.  

Que o diga a cena pós-crédito: admito que fiquei surpreso do momento envolvendo Orm (Patrick Wilson) aparecer pouco antes do fim, mas, a continuação da cena logo depois foi o recibo definitivo da preguiça. Tamanha previsibilidade torna um verdadeiro martírio acompanhar mais uma e mais uma batalha, afinal, você sabe para onde tudo vai escoar. 

Para piorar, a DC encarna todo o bom mocismo da Disney e força um discurso ambiental sobre aquecimento global e efeito estufa. Não que a temática seja um absurdo diante do universo do herói ligado aos seres dos mares e, consequentemente, à natureza, mas, o tom de como é inserido, especialmente, na reta final com discurso político e tudo passa do ponto.  

SHOW DE CONSTRANGIMENTO 

Nada supera, entretanto, a bagunça do tom familiar que “Aquaman 2: O Reino Perdido” busca imprimir. O início funciona sim com Jason Momoa tentando se adaptar à dura vida de pai, criando um elo genuíno de amor entre ele e o filho somada à presença do avô Thomas Curry (Temuera Morrison), o que adiciona elementos de ancestralidade. A forma como tudo se amarra no ato final mostra que esta aposta era certeira e fazia sentido. 

Mas, no meio do caminho, a superprodução deixa isso em segundo plano para se concentrar em uma série de outros personagens que o roteiro se mostra incapaz de desenvolver qualquer conflito minimamente eficiente para eles. 

Temendo sempre a comparação com Thor e Loki, fica nítido como se evita uma tensão maior entre Aquaman e Orm, fazendo o filme recorrer às batidas piadinhas ligadas ao universo pop para gerar algum tipo de reação do público. A Nicole Kidman sabe Deus o que está fazendo aqui. Já Amber Heard encara um dos maiores vexames recentes em blockbusters: queimada após toda a polêmica do julgamento contra Johnny Depp, a atriz é visivelmente boicotada pela Warner/DC.  

Sem optar por saídas mais fáceis nestes casos como uma missão bem longe de última hora ou até a morte da personagem, fica claro como a montagem retirou de forma grosseira momentos e falas de Hera, deixando-a apenas como objeto decorativo. Quando ela acaba sendo alvo do vilão Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), por exemplo, a bichinha entra muda e sai calada, sendo apenas observada pelo marido. O contorcionismo para fazer um filme familiar nestes moldes, mesmo causando buracos evidentes naquilo que você planeja contar, escancara definitivamente o descaso com que as adaptações de HQs são realizadas atualmente. 

Há (ou havia?) uma certeza tão grande em relação ao sucesso comercial que bastava entregar a receita de sempre – herói carismático, cenas de batalhas gigantescas, piadinhas ali e acolá, um vilão meia boca. Os diretores e roteiristas se tornaram acessórios e nem mesmo gente do naipe da ganhadora do Oscar, Chloé Zhao, conseguia se impor aos desejos das equipes de marketing e produtores executivos.  

A DC e Marvel, entretanto, não contavam com o cansaço do público bombardeado há mais de uma década com quatro, cinco obras do gênero por ano. “Aquaman 2: O Reino Perdido” é a prova cabal desta saturação do lado de lá e de cá. Isso, claro, até James Gunn der o reboot e fazer a roda girar mais uma vez. Infelizmente…