Enquanto assistia aos oito episódios da nova série de fantasia e aventura da Netflix, Avatar: O Último Mestre do Ar, me veio à mente algumas vezes a fala do personagem de Tim Robbins na comédia Na Roda da Fortuna (1994), dos irmãos Coen – aliás, um dos filmes menos vistos e mais subestimados da dupla, acho divertidíssimo. Enfim, naquele filme, Robbins interpretava um sujeito tolo que acabava inventando o bambolê, uma ideia simples que virava uma sensação instantânea. Ele dizia, sobre sua invenção: “Hey, it’s for kids” (Ei, é pra crianças).

Avatar is for kids. É pras crianças. Eu, com certeza, não sou o público-alvo. Mas essa acaba sendo a grande virtude da série: ela sabe para quem se dirige. Avatar ainda se encaixa bem no que já esperamos de uma produção Netflix do gênero, mas também tem características que a fazem se diferenciar.

No geral, é uma produção de tom juvenil que entrega um entretenimento fantasioso, com aventura e efeitos visuais, e que deve agradar a quem curtia a querida série animada que lhe serviu de base, e consegue apagar um pouco do gosto ruim que a versão para o cinema deixou – O Último Mestre do Ar (2010), dirigido por M. Night Shyamalan na sua fase “operário de estúdio”.

ENROLAÇÃO CARA DA NETFLIX

A série conta a história do jovem Aang (vivido por Gordon Cormier). Ele é um “dobrador do ar”, ou seja, possui poderes ligados ao ar – no universo fantástico da série, as diferentes tribos possuem poderes sobre cada um dos quatro elementos, ar, fogo, terra e água. Mas Aang é também o Avatar, o raro individuo com poderes especiais que consegue dominar todos os elementos. Porém, logo após descobrir isso, sua nação é atacada e ele passa cerca de um século em hibernação. Quando é descoberto pelos jovens Katara (Kiawentiio) e Sokka (Ian Ousley), Aang resolve tentar unir o mundo em guerra e cumprir a função do Avatar. Ele e seus novos amigos começam a ser perseguidos, enquanto o herói tenta lidar com seus poderes e iniciar seu treinamento.

Não assisti à série animada, então não posso comparar. Mas a série atual ganha pontos imediatos sobre o malfadado filme por possuir um elenco realmente diverso e desenvolver melhor suas situações. Os produtores Albert Kim, Michael Goi e Dan Lin, entre outros, se esforçam para colocar na tela uma aventura empolgante e desenvolver seus personagens. Não conseguem de fato, mas, pelo menos, os episódios são movimentados – embora não consigam evitar de todo a sensação de “encheção de linguiça” comum a muitas séries da Netflix. Afinal, se Aang dominasse rapidamente seus poderes, acabaria com todo o problema de seu reino em dois episódios.

VISUAL IMPECÁVEL PARA DIREÇÃO PRECÁRIA

O que ajuda bastante Avatar: O Último Mestre do Ar são suas qualidades técnicas. Os episódios têm uma fotografia vibrante, com cores fortes e os cenários – muitos deles estendidos com computação gráfica – às vezes impressionam. Aliás, em se tratando dos efeitos, para quem viu The Witcher ou Cursed, é notável observar como em Avatar a Netflix abriu mais a torneira do orçamento para colocar na tela algo com real qualidade cinematográfica de produção. Stranger Things à parte, Avatar: O Último Mestre do Ar é o raro produto de fantasia Netflix que não passa vergonha no quesito efeitos visuais.

Infelizmente, por outro lado, os roteiros e as atuações puxam o seriado para baixo. Mesmo com a simpatia do elenco, os jovens atores simplesmente não dão conta do que é exigido deles, e a série fica com um aspecto de “evento de cosplay” em vários momentos. Além disso, os diálogos com frases de autoajuda, que são frequentes, não ajudam os intérpretes. Até alguns veteranos da telinha, como Daniel Dae Kim e Ken Leung – curiosamente, os dois estiveram em Lost – parecem engessados em cena.

Bem, quando todas as atuações de um elenco são uniformemente fracas, a culpa é mais da direção do que propriamente dos atores…

Ainda assim, é preciso dizer que Avatar não chega de fato a ser ruim. Nos dois últimos episódios da temporada, a série dá uma melhoradinha e a produção como um todo pode ser classificada como simpática – é mais do que se pode dizer de muitos dos produtos plastificados da Netflix. Mas o carisma de um elenco, um inspirado design de produção e efeitos de primeira só podem carregar um seriado até certo ponto.

No entanto, talvez nada disso importe para o público-alvo: recentemente, One Piece, outra adaptação live-action de um anime querido do público, fez muito sucesso no streaming. Não cheguei a conferir, mas essa parece ser uma tendência para a Netflix nos próximos anos. E se é tendência, significa que muita gente gosta. Principalmente as crianças.