É curioso que, para um filme tão interessado em memórias, lembranças e a forma como os seres humanos lidam com elas, Caminhos da Memória seja tão… imemorável.  É a estreia de Lisa Joy na direção, e para quem conhece o trabalho dela como produtora e co-criadora da série da HBO Westworld, nota-se que ela ficou no território da ficção-científica com tons dramáticos na sua estreia e até se cercou de alguns dos seus colaboradores da série. Mas, apesar da história até ser interessante e apresentar potencial, o resultado final acaba sendo uma obra que você esquece poucos minutos depois dos créditos.

Curiosamente “Caminhos da Memória” também evoca lembranças de outros filmes. A história se passa num futuro bem ruim para a humanidade, semelhante ao nosso presente. O aquecimento global faz cidades serem inundadas – como Miami, onde a trama ocorre – e tudo parece dilapidado e decadente, como em Blade Runner (1982), o clássico de Ridley Scott. Hugh Jackman interpreta Nick, um homem que trabalha com uma tecnologia que permite tornar visíveis, como uma animação 3D, as lembranças de quem pagar pelo serviço. O cliente também revive essas lembranças num tanque sensorial. E há muitos clientes, porque “a nostalgia não sai mais de moda” – a tal tecnologia lembra um pouco os precogs de Minority Report (2002) de Steven Spielberg, ou até os clipes de Estranhos Prazeres (1995) de Kathryn Bigelow.

Tudo vai bem para Nick e sua amiga e colega de trabalho Watts (Thandiwe Newton), até o dia em que Mae (Rebecca Ferguson) aparece pedindo para reviver uma memória – para achar suas chaves (!). Mae é linda e usa uns vestidos bastante chamativos. É também misteriosa e irresistível, tal e qual dezenas de femme fatales do cinema antes dela. Ao se encantar com ela, Nick acaba mergulhando num mistério noir – parecido com o de inúmeros outros filmes da história do cinema – e terá de fazer uso das lembranças para descobrir o paradeiro da sua amada. Tudo isso transcorrendo também num clima meio A Origem (2010) do cunhado de Joy, Christopher Nolan – Jonathan, irmão de Christopher e co-criador de Westworld, também atua como produtor aqui.

ERROS REPETIDOS DE ‘WESTWORLD’

O grande problema de Caminhos da Memória é que ele nunca engaja, nunca empolga. É um exercício de estilo, uma combinação de elementos que o espectador de ficção-científica já viu antes, temperado por alguns momentos e diálogos pseudo-profundos: logo no início, Jackman diz numa narração em off tipicamente noir que “o passado pode assombrar um homem”, e a pompa com a qual essa narração surge no filme já dispara um alerta amarelo no público.

Ou seja, é um tom bem parecido com o que Westworld acabou se tornando: aparentemente profundo, mas com ideias que não vão muito além de obviedades. Afinal, o tema da história, a importância e a transitoriedade das memórias, também é bem mastigadinho dentro do filme, para o caso do espectador por ventura não ter captado.

E apesar dos esforços dos atores, o núcleo humano do filme nunca se eleva acima dos seus arquétipos comuns. Todos estão bem, mas não a ponto de despertar grande interesse por Nick ou Mae. Jackman faz o que lhe é exigido pelo roteiro e Rebecca se sustenta na vibe meio Lauren Bacall – algo frequente da carreira. Cliff Curtis faz um vilão adequado e Thandiwe acaba sendo a melhor do elenco, mais pelo próprio carisma, porque até o seu interesse platônico por Nick é apenas jogado pelo roteiro, sem ser muito explorado.

EXECUÇÃO GENÉRICA

Resta admirar alguns elementos do design de produção – como aqueles vestidos, e ao menos o visual da Miami inundada resulta em alguns momentos interessantes – e uns poucos desenvolvimentos interessantes da trama. Infelizmente, ela é também um pouco mais complicada do que precisava ser, com vários elementos sendo introduzidos do meio para o final que tornam o filme um pouco inchado.

Não é um filme que sofre com falta de ideias e as que ele tem até são razoavelmente desenvolvidas. O problema é que a execução é a mais genérica possível.  Joy tem potencial como diretora, mas comanda tudo aqui sem muita inspiração, quase como uma direção de TV – no pior sentido do termo – e claro, o tom pretensioso e falsamente profundo não ajuda em nada.

No fim das contas, Caminhos da Memória parece muito com o que já vimos antes, apenas numa nova roupagem. Mas uma narrativa cinematográfica não pode – ou não deveria – viver só de memórias e arquétipos. De certa forma, o filme de Joy acaba argumentando a favor do seu próprio esquecimento.