“Toda mulher não vive o corpo que ela tem”
Em uma sociedade fundamentada em conceitos patriarcais, a mulher precisa encaixar-se no padrão pré-estabelecido. E, quando isso não acontece, ela se torna objeto de violência até mesmo entre as pessoas do mesmo sexo. Camila Kater apresenta algumas formas de como essa agressão se traduz no corpo da mulher no curta-metragem “Carne”.
Vivemos em um mundo heterogêneo, mesmo assim, é possível perceber certa exigência sobre o corpo feminino. Isso repousa sobre seu formato, sua tonalidade, o que é posto sobre ele e até mesmo sua vitalidade. Diante deste aspecto, a sensação que muitas mulheres carregam e que fica nítido em “Carne” é de que estamos menos próximas de sermos um indivíduo e mais de um pedaço de carne.
Os estágios da existência feminina
Ao longo de sua projeção, a cineasta expõe cinco estágios que um alimento de origem animal pode ser servido: passado, malpassado, ao ponto, ao ponto para mais e bem passado; e os compara as fases da vida de uma mulher, mostrando que, em nenhum desses momentos, o ideal é alcançado. Isso decorre por diversos fatores, alguns deles são debatidos no documentário e abrem brechas para discutir aspectos ainda velados cotidianamente, como, por exemplo, a visão de que o corpo gordo é transitório ou o espaço que é destinado a mulher trans e negra dentro do escopo social.
“Carne” constrói-se utilizando a voz de quem vive na pele esses olhares e a falta de empatia, aspectos que causam identificação e potência ao documentário. Muitas situações e questionamentos levantados pelas entrevistadas perpassam a trajetória feminina e, por mais interessante e dolorosos que sejam, são responsáveis, também, por criar uma atmosfera um tanto lugar comum a produção.
MENSAGEM PODEROSA NÃO AMPLIADA
Acredito que seja necessário levantar tais discussões constantemente, porém, o problema é quando isso não é levado a outra esfera e apenas movimenta superficialmente, situação essa apresentada em “Carne”. Embora essas sejam preocupações latentes do público feminino, causaria um impacto maior se outras concepções também fossem mostradas. O roteiro até procura fazer isso em relação a vitalidade do corpo gordo, as colocações sobre o climatério e as limitações impostas por nascer mulher. Mas nada que já não esteja sempre presente nos debates das redes sociais.
A direção é eficaz em não dar um rosto as mulheres entrevistadas, mas utilizar aspectos cotidianos e usuais para ilustrar suas experiências, tornando a identificação precisa. Afinal, nos últimos tempos a indagação “é um mal negócio ser mulher?”, mesmo que agrida, virou algo que perpassa a mente e assusta muitas mulheres, já que ao mesmo tempo é incrível ser uma, também pode ser doloroso e “Carne” apresenta bem isso.
Camila Kater sintetiza no decorrer da projeção de “Carne” o quão doloroso é a imposição social sobre o corpo feminino e, embora seu filme não amplie as discussões, consegue passar uma mensagem muito poderosa e difícil, a de que estamos todas juntas nesse processo independente do formato, coloração, idade e orientação sexual. Seremos sempre julgadas pela nossa carne.