Quando os créditos de “Cassandro”, filme de Roger Ross Williams (“Life, Animated”), sobem e vemos as fotos reais de Saúl Armendáriz, dois pontos centrais ecoam do que acabamos de assistir: identidade e o talento de Gael Garcia Bernal. Williams, em seu primeiro longa-metragem ficcional, explora os meandros que envolvem a questão cultural da luta livre mexicana, trazendo para o centro da narrativa um personagem que adiciona camadas a discussão e tem como intérprete um dos atores latinos mais talentosos dessa geração. 

Acompanhamos Saúl (Bernal) em busca por fazer sucesso como lutador de luta livre mexicana. Vivendo na fronteira entre México e Estados Unidos, mora com a mãe (Perla De La Rosa), com quem tem uma forte ligação. Enquanto lutador, ele é aquele personagem que serve apenas para perder e, com isso, aumentar a estima dos colegas que são adorados pelo público. Isso muda quando decide se apresentar como um exótico – lutadores que usam apetrechos femininos enquanto batalham, quebrando – para aquela comunidade – estereótipos de masculinidade. Usando o codinome Cassandro, este se torna o primeiro passo para que se liberte e também assuma publicamente sua sexualidade.  

CINEBIOGRAFIA SUTIL 


É interessante observar o contexto e o recorte que Williams traz. A lucha libre tem mais de 100 anos de tradição, sendo um verdadeiro fenômeno de popularidade com seus próprios arranjos como as lutas encenadas, com foco na espetacularização e resultados já previamente decididos. Nesta conjuntura, os exóticos eram os lutadores que não utilizavam máscaras e apresentavam seus rostos para o público, que geralmente os tratava de forma hostil, além disso, tradicionalmente deveriam perder. É Saúl quem muda esse cenário.   

O roteiro se amarra a este panorama para construir uma cinebiografia sutil. Os dramas e fragilidades da jornada do protagonista estão presentes por meio dos diálogos com a mãe e a treinadora Sabrina (Roberta Colindrez) e alguns flashbacks inseridos para compreendermos a infância e os percalços que passou enquanto imigrante, homossexual em um universo extremamente machista e fruto de um caso extraconjungal. Essas nuances enriquecem a história e lhe oferecem camadas que atestam a questão identitária e provam o quão abundante é a trajetória de Saúl e sua persona Cassandro.    

SHOW DE GAEL 


Parte desta leitura ímpar do personagem, contudo, se concentra em Gael García Bernal. Ele captura a vulnerabilidade e resiliência que a trajetória do personagem emula. O astro mexicano passeia com sutileza e domínio entre a fragilidade de um rapaz que cresceu sem afeto paterno e a fortaleza que precisa ser e manter para sobreviver no universo dos ringues de lucha libre. Há emoção em seus olhos, uma coreografia intrínseca em seu corpo e movimentos responsáveis por levantar fascínio por Saúl e Cassandro a quem assiste.  

Em contraponto a sua presença, no entanto, o elenco de apoio fica esquecido: alguns personagens apenas surgem e desaparecem da mesma forma, sem dar a devida importância que estes possuem na construção do personagem. É o caso do amante Gerardo (Raúl Castillo), que parece existir apenas para fazer um paralelismo com o romance de sua mãe com seu progenitor, e até mesmo de Sabrina, sendo esta mais que uma treinadora, amiga, confidente e ocupando um papel fundamental para o surgimento de Cassandro. Ela desaparece e surge esporadicamente para servir de escada e suporte emocional.  

Tais ausências salientam uma lacuna dentro do filme. Embora “Cassandro” seja envolvente, a construção da cinebiografia seja interessante e os subtemas que se propõe discutir como ausência paterna, variações de masculinidade, cultura mexicana e identidade sejam trabalhados de forma satisfatória e eficiente; falta algo que tire as sensações de que essa é muito mais do que apenas mais uma cinebiografia de um personagem icônico. Ainda que tente fugir de clichês e oferecer camadas sutis, Williams não consegue fruir totalmente. Uma pena, por isso, nessas horas, lembramos o quão irradiante está Gael Garcia Bernal.