Todo festival de cinema tem um ou outro filme esquisito, aquele que desafia classificações fáceis. Dual foi um desses em Sundance de 2022. O longa do diretor/roteirista Riley Stearns é uma comédia de ficção-científica que envolve clones, burocracia e assassinatos, e se refestela na própria esquisitice. Acaba também sendo um filme estranhamente divertido, para quem se deixar levar pela proposta.

Nele, Karen Gillan (“Jumanji”) vive Sarah, uma moça que, na verdade, não é a pessoa mais cheia de vida no mundo quando a conhecemos. No início do filme, ela está assistindo pornografia e bebendo até cair à noite. Certo dia, ela é diagnosticada com uma doença incurável e a médica lhe dá a certeza de morte – com “margem de erro de 2%”. Sarah então decide realizar o procedimento da “substituição”: um laboratório cria um clone e ela tem um período para ensinar esse clone a ser como ela, assumindo suas funções perante amigos e familiares. Tudo vai bem até que o clone começa a ter umas vontades próprias com a mãe e o próprio namorado começarem a gostar mais do duplo do que da própria Sarah.

Só explicar um pouco da premissa já é algo complicado. A protagonista é o tipo de pessoa que, ao ouvir a notícia da sua própria morte, pergunta ao seu namorado “por que não estou chorando?”. Tal frase dita o tom de Dual: trata-se de um filme excêntrico, no qual todos os personagens falam em tom monocórdico que acaba ficando engraçado com o passar do tempo. Gillan está ótima nos seus papéis, sendo capaz de diferenciar a Sarah original do duplo com postura, olhar, mudança no cabelo, entonação de voz… Acima de tudo, é ela quem determina a experiência.

Graças à atriz, por exemplo, que subtextos malucos da história começam a vir à tona: a personagem largada e apática do início adquire um propósito na vida. Em várias cenas, a Sarah parece mais robótica que a Nebulosa, a personagem ciborgue de Gillan em Guardiões da Galáxia. Mas, para evitar a própria redundância, ela muda – um pouco. Questões de identidade e do próprio apego à existência começam a ser abordados de forma sutil dentro da narrativa. Quando entra em cena o preparador físico de Sarah – vivido por Aaron Paul – que vai ajudá-la a matar seu clone em uma luta, o clima bizarro se amplifica ainda mais, o que por sua vez provoca mais algumas risadas. Porém, não deixa de ser um riso nervoso…

A encenação também é aparentemente monótona com o filme se passando em ambientes sem vida ou cores e em locações com o clima sempre nublado. A câmera se movimenta pouco, acentuando a disposição esquisita dos personagens no quadro. E as regras daquele mundo ficam propositadamente mal explicadas: não que o filme cause confusão, mas é o caso do diretor/roteirista se divertindo com a arbitrariedade da sua criação.

O filme consegue ser divertido até os seus minutos finais. Nos seus minutos finais, Stearns deixa o espectador no escuro de propósito quanto aos desdobramentos de sua história para que cada pessoa se questione sobre o que acabou de ver e se, no fim das contas, importa realmente qual Sarah é qual. Dual não vai agradar a todo mundo, com certeza, mas possui doses de originalidade e de visão artística suficientes para ser experimentado por espectadores de mente mais aberta. Stearns, na verdade, faz um filme sobre o quanto o ser humano é estranho – e na sua própria estranheza, encontra algum valor.

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