Não há como contornar: Godzilla vs Kong é um filme bobo. Todos os filmes “versus” feitos até hoje na história do cinema, com um personagem famoso enfrentando outro, foram bobos, e essa nova investida do estúdio Warner Bros. no seu “Monsterverse” – a culminação dele, aliás – não é exceção. O próprio Monsterverse da Warner se tornou um experimento curioso com o passar do tempo: Godzilla (2014), o longa que o iniciou, até hoje me desperta raiva quando me lembro dele, mas os filmes posteriores foram legais. Nenhum era cinema marca registrada Martin Scorsese, mas funcionavam razoavelmente bem dentro de suas propostas e, para quem entrava no estado de espírito correto, serviam como diversão rasteira e inconsequente, e respeitando suas origens fundamentais: o Godzilla original de 1954, o King Kong de 1933 e todo o subgênero de filmes kaiju produzidos no Japão.

Nenhum deles despertava vontade de rever, mas apresentaram uma regularidade maior que a do universo dos heróis DC no cinema, por exemplo… Enfim, o diretor deste novo filme, Adam Wingard, pelo menos, demonstra consciência de que seu filme é uma bobagem e abraça esse espírito.

Como sempre, a história é aquela coisa rasa e com alguns furos. Cinco anos após salvar o mundo em Godzilla 2: Rei dos Monstros (2019) – uma entrada meio subestimada no Monsterverse – nosso lagartão favorito agora está “p da vida” por algum motivo que é revelado ao longo da narrativa, e começa a destruir geral. É o de praxe: em um filme versus, sempre um dos protagonistas acaba assumindo a posição temporária de malvado. Para tentar deter Godzilla, pesquisadores contam com uma esperança: Kong, que precisa ser levado do seu habitat na Ilha da Caveira até a entrada da Terra Oca, o lugar de origem desses titãs, em busca de uma fonte de energia que pode ser usada para parar os ataques do bichão. E claro, apesar do chamariz do longa ser a luta entre os monstros, uma hora eles vão se aliar para enfrentar a verdadeira ameaça do filme, produzida pelo verdadeiro vilão da trama.

 DE ‘2001’ A ‘MÁQUINA MORTÍFERA’

Se Godzilla vs Kong não traz nada de muito novo e é possível adivinhar como a história vai se desenvolver, ao menos, Wingard tenta injetar um clima leve na experiência. O humor começa já na cena de abertura com Kong – o verdadeiro herói da trama – acordando. O uso de canções associadas ao Kong é uma boa sacada, assim como o tom respeitoso da produção. Todos os personagens japoneses, afinal, chamam seu monstro de Gojira… É um filme geek mesmo, feito por um cineasta e uma equipe empolgados por trabalharem com essas figuras tão icônicas do cinema fantástico.

Pena que falte a Wingard um pouco da ousadia, da “porra-louquice” mesmo, do cineasta Jordan Vogt-Roberts, que comandou o filme mais divertido do Monsterverse, Kong: A Ilha da Caveira (2017). Godzilla vs Kong simplesmente não é tão criativo ou amalucado quanto aquele filme, e poderia fazer uso de um pouco daquela energia. Alguns momentos do longa de Wingard perdem força, como a luta em Hong Kong à noite, por parecerem com coisas que já vimos em outros filmes. Esse momento, em especial, lembra bastante Círculo de Fogo (2013), e obviamente Wingard não é nenhum Guillermo del Toro também…

Isso, aliado ao roteiro previsível, tira bastante a força do filme. E o núcleo de personagens humanos não ajuda também: talvez sejam os personagens mais sem graça – quando não chatos – de todos os exemplares do Monsterverse. De Godzilla 2, retornam Millie Bobby Brown e Kyle Chandler, que não têm muito a fazer, e se juntam a eles Brian Tyree Henry e Julian Dennison como alívios cômicos sem graça,. Alexander Skarsgård e Rebecca Hall fazendo todo o possível para manter nossa atenção como os protagonistas humanos, quando os verdadeiros astros do filme não estão em cena. E tem ainda Demián Bichir como o vilão. Todos transmitindo aquela sensação de que “ufa, os boletos continuarão em dia por mais alguns meses”.

Claro que vários momentos do filme funcionam pelo mero fator espetáculo, assim como praticamente todas as cenas envolvendo o Kong. Godzilla vs Kong até traz umas referências insuspeitas e divertidas a filmes tão díspares quanto 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Máquina Mortífera 2 (1989). Algumas cenas possuem uma real beleza plástica, e a computação gráfica é daquelas que põe o dinheiro gasto na tela. Não tem tanta graça quanto poderia, mas é divertido sim e, felizmente, não nos faz esperar muito pela parte boa.  E a parte boa é, claro, a porradaria. É um filme bastante honesto quanto à sua essência: é bobo e torna você um pouco enquanto assiste.

Mas depois passa.