Fofocas, segredos e esconderijos dão a tonalidade deste quarto episódio. Finalmente, podemos imergir na vida dentro da Fortaleza Vermelha, conhecer sua decoração e um pouco da sua planta enquanto acompanhamos a jornada sexual da realeza Targaryen. A construção do episódio e a escolha de focar nas relações do topo desta corte, sem se apegar a simbolismos e lembranças de outras produções, tornam este um dos momentos mais sólidos de “House of the Dragon”.

Algumas discussões continuam permeando a trama, como a misoginia e a maternidade, porém aparecem de forma mais fluidas e pontuais, fazendo com que o roteiro finalmente pare de andar em círculos. Quem sai beneficiado são os personagens, os quais conseguem expandir a tridimensionalidade presente no universo criado por Martin e que faltava ainda encontrar o tom aqui. Assim até uma simples ruga esconde um sentimento e intensidade.

O foco de “Rei do Mar Estreito” está em Rhaenyra e nas relações que seu amadurecimento causam. Não nos é dito quanto tempo se passou desde “Segundo de seu nome”, mas a relação entre a filha e a esposa de Viserys finalmente encontra um segmento nesta nova dinâmica familiar. Princesa e Rainha lembram muito as amigas que vimos no piloto, mas com o benefício que a vida de casada oferece a Alicent, mais do que um apoio e um ombro amigo, ela é a aliada e o esteio que faltou a herdeira do trono nos dois últimos episódios. É interessante que o episódio finalmente nos permite acompanhar suas decisões sem que haja interferências de Otto Hightower, é como se pudéssemos ver quem ela é realmente e suas reflexões em relação ao matrimônio e todas as coisas que vieram com este.

Nesse ínterim, o distanciamento de Viserys e a filha parece mais tangível. Na cena em que recebem Daemon de volta a corte, o desprezo e a forma fria como ele a trata é desconfortável, considerando que ele mais uma vez reitera sua escolha como sucessora. Ao mesmo tempo, o Rei soa como um pai de um adolescente com dificuldades de comunicação geracional. Ele quer proteger a filha, quer que ela tenha um casamento feliz, seja uma boa governante, mas não oferece as bases necessárias para que ela possa desenvolver isso. Viserys é fraco, não sabe governar e nem ser um bom pai. Ah se a história fosse diferente e pudéssemos ver Rhaenys no trono de ferro.

Isso nos faz voltar a Rhaenyra e como a personagem se transforma diante dos nossos olhos. Ela deixa de ser a menina isolada que fez birra o último episódio inteiro, para ser uma manipuladora ardilosa e estratégica, além de uma verdadeira representante do sangue do dragão – segundo Viserys. É preciso ressaltar, contudo, que, pudemos ver também outra faceta da filha de Aemma a qual dialoga com as mulheres que vivem o mesmo momento que a herdeira do trono: as percepções de uma jovem processando sua súbita exposição a uma parte da vida a qual nunca experimentara.

Enquanto explorava e descobria os prazeres da carne, o deleite da corte passar por tal exposição, encontrando formas de manter sua pretensão ao trono e livrar-se de seus opositores. Um acerto para a princesa dentro do jogo dos tronos, um equívoco para seu pai.

Esse episódio trouxe ainda algo que sempre sinto falta neste universo: a perspectiva do povo comum. Enquanto Daemon e Rhaenyra se embrenhavam pelas vias de Porto Real pudemos conhecer um pouco sobre as atividades noturnas da cidade e perceber a visão da plebe sobre o herdeiro do trono por meio do teatro de rua, tal qual Arya em Braavos.

Em meio a tudo isso, “Rei do mar estreito” discute sexo e intrigas na corte de maneira delicada e poética. Perceba que poética é diferente de casta. O encontro entre os corpos nos bordeis é bem mais coreografada do que a brutalidade que se via em “Game of Thrones”, os paralelos entre essa dança sexual e cheia de desejo e o coito do rei e da rainha demarcam bem intensidade, prazer e obrigação. Questões levantadas pelo montador de Caraxes e a sobrinha em relação ao matrimônio que se chocam com a visão de Alicent sobre as relações de fogo e sangue dos Targaryen, tidas como esquisitas pela seguidora dos Sete. Talvez sejam os quadros eróticos na alcova real que estão deixando-a tão pudica.

Acredito que seja importante ressaltar que este é o primeiro episódio do universo de Westeros, desde 2013, que temos uma mulher a frente das câmeras: Clara Kilner (“O Alienista“, “Expresso do Amanhã” (a série)). E para mim, seu trabalho fez toda a diferença em relação a exposição do nu, os planos detalhes no toque dos parceiros de cena de Rhaenyra e os passeios pelo palácio e as ruas de Porto Real.

“Rei do mar estreito” consegue finalmente se aprofundar no drama e na caracterização dos personagens principais da Dança dos Dragões, humanizando-os a tão ponto de identificarmos sua tridimensionalidade. Enfim, temos uma trama mais perto da intensidade e obscuridade que “Fogo e Sangue” carrega, além de cortar o cordão umbilical – mesmo que só por hoje – da série de D&D.

Este é um episódio que faz a gente ansiar pelo próximo.