“O bom marinheiro foge da tempestade enquanto ela se forma”. 

Sexto epispodio da primeira temporada de “House of the Dragon“, “A Princesa e a Rainha” é um episódio de chegadas, despedidas e estabelecimentos. O salto temporal de 10 anos do último episódio, torna-o uma introdução do que se passa na corte de Viserys, ao mesmo tempo, em que mostra como as outroras sementes da dança dos dragões germinam. O mais interessante é perceber o quanto isso é um fator determinante para aprofundamento das nossas protagonistas. 

Rhaenyra, agora vivida por Emma D’arcy, e Alicent Hightower (OlIvia Cooke) tornaram-se mães e membros do pequeno conselho – um precedente aberto por Jaeherys e Alysanne Targaryen, porém não tão deliberado quanto neste capítulo. Assim como na polarização política nacional, ambas têm visões e modos de levar a vida divergente; o que as encaminhou não apenas para um enfraquecimento da amizade, mas também rumo a dicotomia familiar. E, neste ponto, é preciso observar o comportamento da rainha.  

A Rainha Verde  

É perceptível que o abismo criado por Alicent em sua relação com Rhaenyra está ligado a maneira como esta acredita que mulheres devam portar-se – o que ela chama de honra e decência. Parece haver certo preconceito em seus argumentos ou apenas a hipocrisia e a acusação que faz aos pais cegos por seus filhos recaindo sobre si. Os três momentos que passa com suas crianças é um demonstrativo de sua conduta hipócrita: a forma como olha para Helaena e seu trato de insetos, como induz Aemond a acusar os sobrinhos e negligencia os hábitos lascivos de seu filho mais velho. Como diria Freud, Alicent é a responsável por introduzir e alimentar o sentimento bélico que seus filhos sentirão pelos sobrinhos.   

A Rainha Verde é a grande condutora deste episódio. Ela articula os passos de Larys Pé Torto e Criston Cole, ignora totalmente as decisões de Viserys – o qual por mais enfermiço e detentor de decisões equivocadas que seja ainda é o rei e chefe de estado – e se irrita gratuitamente por não ter aquilo que ela quer. Nesse ponto, preciso dizer que a presença dela e de Rhaenyra no pequeno conselho, por mais que remeta ao reinado anterior deixa evidente o quanto ela almeja a coroa e pouco se importa com a governança, desde que sua percepção e seus desejos sobre o que é governar estejam em vigor.  

A Princesa 


Ao mesmo tempo, em que a esposa de Viserys conquista tanto tempo de tela e destila seu ressentimento pelo Deleite do Reino, Rhaenyra mostra o quanto amadureceu como mulher, esposa, mãe e governante. Age menos por impulso, está atenta ao que a circunda tanto em relação a falatórios quanto a movimentações políticas e sabe a hora de falar e de se retirar. A frase que Laenor diz a ela sobre bons marinheiros e o momento de se afastar reflete bem seus passos no decorrer do episódio e sua decisão final.  

Alguns pontos a se observar sobre ela é a maneira como seu corpo reage ao puerpério e o quanto isso lhe dá forças, ainda que sua aparência esteja fragilizada. “Game of Thrones” chegou a ser elogiado pela forma como abordava suas personagens femininas, embora isso seja mais latente nos livros, no entanto House of the Dragon parece ter uma predileção por colocar mulheres em posições degradantes. Tenho a sensação de que Rhaenyra é o alvo perfeito para isso, ao discutir sua liberdade sexual, ignorar sua posição enquanto herdeira ao trono e a esquecer em meio a floresta. Enfim, em todos os episódios há algum momento em que uma mulher é apresentada de forma questionável – como esquecer a Aemma -, sendo rebaixada ou envergonhada por seu gênero. A personagem de Emma D’arcy passa por isso na cena do conselho, mas é Laena a maior representante dessa pequena movimentação misógina.  

Justiça por Laena Velaryon  

Primeiramente, preciso deixar minha contestação enquanto leitora apaixonada pelas histórias de George Martin. Dito isso, Laena está para “House of the Dragon”, como Dorne está para “Game of Thrones”; ambos sofrem mal aproveitamento no processo de adaptação e não está tudo bem. Não entrarei nos méritos de Dorne, porque não adianta chorar pelo leite a muito derramado, contudo a filha do Serpente Marinha foi ignorada em prol da nova narrativa criada para o relacionamento da princesa e da rainha.   

Em “Fogo e Sangue”, vemos que a amizade de Rhaenyra e Laena era tão profunda a ponto de ambas estarem juntas no parto de seus filhos e voarem com seus dragões entre Pedra do Dragão e Derivamarca. Além disso, antes dos doze anos, ela domou Vhagar, no entanto, nada disso foi nos mostrado, reduzindo a personagem primeiro a um troféu, depois ao choque. Laena Velaryon merecia mais. Porém o que podemos dizer de uma série construída sobre os pilares da rivalidade feminina?  

Saldo de House of The Dragon 

Depois de seis episódios, é possível fazer algumas considerações sobre a série. Primeiramente, a direção, a fotografia e a cenografia são alguns dos pontos fortes dos episódios; tendo a preocupação de mostrar o que precisa estar atento – as vezes até demais como os ratos – e de reconstruir um reino em seu período de glória. Sapochnik, que dirigiu este episódio, deixa claro o quanto conhece este universo e por isso imerge nas motivações dos personagens visualmente.   

“House of the Dragon” peca, no entanto, em insistir em trazer o choque pelo choque e, em meio a tudo isso, perder a natureza de seus personagens. Afinal, quem é Daemon Targaryen? O príncipe canalha ou o marido que decide salvar a esposa invés de ter um filho homem (um paralelo claro com o irmão). Por que fazer um dragão matar seu domador, quando existe uma ligação entre eles e a morte do personagem é bem diferente disso? Por fim, por que alguns sofrem punições e outros não?  

Outro ponto a se considerar diz respeito a como os saltos temporais não fazem bem a narrativa. Além de só conseguir aprofundar quatro personagens, não explora outras histórias apresentadas na dança dos dragões e impõe versões diferentes a relatos já questionáveis, deixando mais perguntas sobre o evento do que explicações. Afinal, por que Harwin Strong foi retirado do comando da patrulha da cidade, por bater em um outro cavaleiro, enquanto Criston Cole segue sendo uma espada juramentada, embora tenha batido no marido da princesa e assassinado um nobre sem motivo aparente. São escolhas controvérsias, quando nem mesmo a cronologia da dança dos dragões tem sido seguida.   

O fato de ser a primeira temporada e não se saber o quanto de sucesso faria – visto que a segunda temporada só foi confirmada após a estreia – não justifica a pressa de contar os eventos pré dança e nem as mudanças como a amizade tóxica de Rhaenyra e Alicent, o apagamento de Cogumelo e a péssima adaptação de Laena Velaryon.   

Para balancear os pontos contestáveis, a escalação do elenco se mostra um acerto (apesar de ter certas reticências com Paddy Considine). Emma D’arcy e Olívia Cooke estrearam com pé direito, mantendo algumas características de suas colegas de trabalho e complementando a perspectiva que temos de suas personagens.   

“A Princesa e a Rainha” evidencia sobre o que se trata “House of the Dragon”: a dicotomia entre uma mulher que quer manter a submissão feminina e outra que luta para quebrar as correntes e manter sua reivindicação ao trono. Esperemos como serão o desenvolvimento dos próximos episódios.