Já na primeira cena de “Laços de Ternura”, a dinâmica entre mãe e filha se estabelece. De um lado, Aurora (Shirley MacLaine) polida, com pouco senso de humor e muito preocupada com a filha; do outro, Emma (Debra Winger), desinibida e livre; é a partir do contraste entre elas que James L Brooks forja um drama profundo e suave, vencedor de cinco estatuetas do Oscar em 1984, ente elas melhor filme e direção.

A trama acompanha o relacionamento entre mãe e filha ao longo de quase quatro décadas, apresentando situações episódicas para destacar cada camada da interação das duas, deixando claro as diferenças que as cercam, o que as conduz para uma constante e inevitável posição de ambivalência. Os altos e baixos vivenciados demarcam o natural e complexo vínculo que permeia a maternidade.

Maternidade em check

Entre trocas de farpas no telefone e angústias compartilhadas, a conturbada relação entre elas se estabelece a partir do apego da mãe e a busca por independência de Emma. Como em muitas narrativas que abordam o tema, a afeição cuidadosa de Aurora tem consequências fixas, afastando a filha de si, atrasando conquistas e experiências oportunas para ela mesma. Dentro dessa perspectiva, a filha opta incessantemente em diferenciar-se da mãe.

Isso se mostra por meio da escolha em se casar com um homem de índole duvidosa, apesar dos protestos da personagem de MacLaine, e os frutos dessa decisão que se apresentam nas dificuldades financeiras cooptadas pela vida independente que escolheu para si, a rebeldia do filho mais velho – contrário à sua criação liberal – e a traição fixa de Flap (Jeff Daniels) com uma de suas alunas. Embora sejam resultados das preferências da filha, não se pode esconder a responsabilidade de Aurora em tudo isso.

A criação protetora que cercou Emma tornou-a uma pessoa carente emocionalmente. O que é perceptível nas escolhas que comete no episódio distante da mãe, desde a atração por um homem mais velho, que lhe dá a atenção que não tem do esposo, até a abdicação de ter uma fonte de renda para que possa cuidar dos filhos. Tudo isso aponta para as ausências que a superproteção ocasiona e a necessidade de mostrar-se em contraponto a mãe. Salientando o quanto a maternidade também está interligada a demonstração e afeto que o núcleo familiar de base oferece, questão que tem sido bem explorada nas obras de Elena Ferrante e que pode ser vista tanto em “A Filha Perdida” quanto em “A Amiga Genial”.

“Laços de Ternura” é eficaz em evidenciar que o sentimento materno só é integrado e entendido quando a filha passa a ocupar a posição de mãe e, mesmo assim, os passos da progenitora não costumam ser replicados.

Existe vida após os filhos

Nesse ínterim, Brooks destaca também o relacionamento na melhor idade. Shirley MacLaine e Jack Nicholson protagonizam os momentos comédia romântica da trama, bem ao estilo das produções com casais mais maduros de Nancy Meyers.

Enquanto Emma precisa lidar com os primeiros anos de casada, Aurora vive um jogo de conquista, na qual ela é a mulher desejada. Sem a filha para cuidar e usar como escudo para fugir de pretendentes, ela precisa calibrar o seu desejo sexual e a demora em se relacionar com um homem espirituoso e cheio de vigor que a deseja. O roteiro é cuidadoso e sagaz em abordar o relacionamento entre eles e oferecer a oposição entre as relações como pano de fundo para uma das discussões de destaque da narrativa: as diferenças entre mãe e filha.

Se no primeiro momento, isso se mostrava por meio das personalidades distintas, conforme a trama avança, pode ser visto nos momentos de solidão e incompletude de cada uma delas. É curioso o quanto suas trajetórias estão em constante polarização, se uma aparenta estar feliz e realizada, a outra se sente solitária e abandonada. Contudo isso muda quando a barreira interposta pela distância espacial e emocional de Emma se quebra no último ato.

Brooks, enquanto diretor e roteirista, é sensível – sem ser piegas demais – em toda a construção e condução dos atos narrativos, deixando um retrato cativante e atemporal sobre o relacionamento maternal e a jornada feminina. Evidenciando os quão ambivalentes e inquebráveis são os laços que interligam mães e filhas.