Não é novidade que o cinema de Júlio Bressane pode ser deveras hermético para os não-iniciados. E, ainda assim, o fato do nome do cineasta carioca ser literalmente a primeira coisa que aparece em tela após as cartelas das produtoras no novo “Leme do Destino” me pareceu uma advertência, por algum motivo.  

Advertência de quê? De que alguns filmes devem ser assistidos preferencialmente nos primeiros dias de um festival, quando a moral está alta e há energia de sobra. Do contrário, será difícil resistir a um cochilo no escurinho do cinema. 

Hesito em dizer tudo isso porque, como já está claro para os que me acompanham aqui, eu gosto bastante do cinema de Bressane. E dizer que seu cinema é “hermético” nada mais é que uma forma genérica de descrever um cinema que se preocupa, sobretudo, em questionar e expandir as possibilidades do criar. 

Mas algo neste “Leme do Destino” me pareceu frio demais ao toque. E isso desde a primeira cena, uma longa conversa entre as nossas duas protagonistas que, bêbadas, proferem dizeres vagamente poéticos sobre o amor, o desejo, a arte – o que, para alguém de má vontade, poderia ser uma forma genérica de descrever toda a filmografia bressoniana.  

A tal conversa, que parece se estender por uma eternidade, é enquadrada por um único plano, fixo, numa composição aberta e frontal que quase não se altera. E eu não pude deixar de pensar, conforme a cena se estendia mais e mais, que gostaria que Bressane fizesse algo mais interessante em termos pictóricos. 

Vá lá: uma outra cena, em que os objetos cotidianos do apartamento das protagonistas ganham vida, até que tem um quê de lirismo. Sem falar na verve arquivista de Bressane, revisitando suas próprias imagens de arquivos, coisa que já vem fazendo há um certo tempo. 

Mas Simone Spoladore, que é uma grande atriz, não me parece totalmente confortável na linha de frente de “Leme do Destino”. E o próprio Bressane não está fazendo nada que já não tenha experimentado, de forma melhor e mais criativa, nos últimos 20 anos de carreira.