O inferno são os outros em “Levante”, filme de Lillah Halla exibido no Festival de Londres. No entanto, ele também acredita que nossas relações sociais possam servir como um paraíso. Premiada pela organização de críticos Fipresci quando estreou na Quinzena dos Realizadores (mostra paralela do Festival de Cannes) este ano, a produção é uma vibrante celebração de sororidade e resiliência. 

“Levante” gira em torno de Sofia (Ayomi Domenica Dias), uma jogadora de vôlei adolescente cuja gravidez inesperada ameaça as chances de estudar fora. Sua busca por um aborto a coloca na mira de religiosos fundamentalistas determinados a detê-la, mas ela resiste com a ajuda do pai João (Rômulo Braga) e do time até seu drama pessoal virar uma disputa moral envolvendo toda a sua comunidade. 

O longa, que marca a estreia de Halla na direção de longa-metragens, se destaca por enfatizar o caráter coletivo da situação de Sofia. Em comparação ao sofrimento solitário da protagonista de “O Acontecimento” (outro ótimo drama recente sobre uma gravidez adolescente), por exemplo, é notório como Sofia encontra apoio em suas amigas, que a defendem não só por amor, mas por princípio. 

Essa ênfase encontra reflexos inspirados no roteiro, escrito por Halla e María Elena Morán. A decisão de construir a história em torno de um esporte de grupo é um, assim como é a de fazer de João um apicultor: poucas metáforas traduzem a ideia de esforço coletivo como o mel, produto de centenas de abelhas organizadas. Até os antagonistas agem coletivamente, através de uma organização religiosa. 

PÂNICO E ANSIEDADE NA LUTA CONTRA INIMIGO PLURAL 

O filme levanta uma bandeira queer e liberal, mostrando uma juventude de sexualidade fluida, que vive intensamente ao som do funk e que usa a autoexpressão para transcender suas limitações socioeconômicas. O time de Sofia, que abrange um leque diverso de feminilidades, contrasta com seu entorno e defende suas liberdades individuais diante de um estado de opressão. 

Nesse sentido, “Levante” dá uma roupagem adolescente a alguns dos temas abordados na minissérie “Os Últimos Dias de Gilda“. Ambas as obras falam de um Brasil intolerante, cuja religiosidade foi cooptada para longe da ajuda e do respeito ao próximo em prol de um projeto de poder. 

Halla é precisa em retratar o pânico e a ansiedade de lutar contra esse inimigo plural e insidioso. Em parceria com a diretora de fotografia Wilssa Esser, a editora Eva Randolph, e o desenhista de som Waldir Xavier, a cineasta acompanha Sofia com muitos close-ups, câmera na mão, blackouts dramáticos e efeitos sonoros que reforçam o verdadeiro ataque psicológico que sofre. 

Quando as tensões escalam no terceiro ato, o mais impactante é saber que essas cenas de ficção não estão exatamente distantes de acontecer na vida real. Em seus momentos finais, “Levante” lembra a plateia que são grupos que comandam a barbárie – e também são eles que lideram a resistência.