“Você é a última voz que eu vou ouvir antes de Satanás.”
Esse diálogo estabelece bem o que se acompanha durante a projeção de “Morto Não Fala”, filme escrito e dirigido por Dennison Ramalho, uma das mentes responsáveis pelo roteiro de “Supermax” e “Carcereiros”, ambas produções da Rede Globo. Em seu primeiro longa-metragem, o diretor mergulha no thriller sobrenatural para contar a saga de Stênio.
Stênio (Daniel de Oliveira) é um funcionário do Instituto Médico Legal (IML) que tem o dom de conversar com os mortos, uma linha tênue entre castigo e maldição. Ele consegue lidar com a sua paranormalidade até que quebra a regra mais importante: revela o segredo de um morto. A partir disso, o filme assume os efeitos de causa e conseqüência das escolhas do protagonista.
Lidando com a morte
O roteiro de “Morto não Fala” é muito sensível em mostrar como é a vida das pessoas que lidam com a morte diariamente. Isto se torna visível na relação do protagonista com a sociedade: um casamento complicado, dificuldades de se comunicar com os filhos e, até mesmo, com os mortos. Soma-se a isso sua postura reativa, sem nunca ser a pessoa que toma a atitude. Por isso, não é de se espantar que quando ele decide assumir o controle, acaba trocando os pés pelas mãos.
É curiosa, no entanto, a escolha de utilizar efeitos visuais para representar as expressões faciais dos mortos. Em alguns momentos, quando aparece “sujo”, por exemplo, o CGI é funcional e oferece o aspecto gore que permeia toda a produção. Já em outros casos, como o de Odete (Fabiula Nascimento), o uso da técnica se mostra precário e beira o trash, perdendo o bom desenvolvimento visual que “Morto Não Fala” demonstra no primeiro instante.
A atmosfera do terror
Entre o IML e a periferia de São Paulo, o diretor Dennison Ramalho investe no sobrenatural e na violência explícita para contar sua história. Ao mesmo tempo em que cadáveres retalhados e cheios de hematomas ganham espaço, situações de possessão e mediunidade também se fazem presente.
O gore, junto à fotografia escurecida, são responsáveis por abrir margem para uma tensão crescente que dá, gradualmente, espaço ao progresso dramático junto ao terror. Para isso, várias ocorrências criativas, como a cama de gato e os espelhos, vão surgindo em tela e despertando incômodo no espectador. A partir dessa sensação, é possível observar o desenvolvimento dos personagens e da própria insanidade.
Já que tocamos na importância fotográfica para construção do horror, é válido apontar que André Faccioli, responsável pela cinematografia, estabelece um diálogo entre a trama e a crônica urbana que a circunda. Os ângulos escolhidos transferem ao espectador a sensação de claustrofobia e pânico que permeia Stênio e sua família. Essa impressão desagradável ganha força com o uso da paleta de cores esverdeada, que transpõe a repulsiva sala do IML para outros ambientes.
“Morto não Fala” é mais um exemplar da boa safra do cinema de horror nacional. Ramalho entrega um thriller com assombrações, violência e a urbanidade presente nas periferias. Cuidadoso na construção de seus personagens e na atmosfera de horror, ele mostra que é possível experimentar, assustar e entreter dentro do cinema de gênero.