As regras sempre foram exigidas para impor certa ordem e imponência a quem a comandava. Na Europa da Idade Média, por exemplo, vinham como modelos de boas maneiras e de como se comportar na sociedade. As regras de etiqueta eram, portanto, uma forma de coação em agir de maneira pré-estabelecida. Em outras palavras, o medo em errar ou causar espanto em sociedade era uma embaraçoso. Medo e vergonha eram sinônimos para que seguissem as boas maneiras estabelecidas, logicamente, pela elite e burguesia.

Os séculos se passaram e novos modelos comportamentais foram inseridos na sociedade até chegar ao que conhecemos hoje ainda, muito influenciados (demasiadamente) por este processo civilizador opressivo. Voltando algumas décadas do século passado, chegamos à Inglaterra dos idos de 1924, ainda sob os danos causados pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Em uma pacata vila aristocrata, vive Jane Fairchild (Odessa Young, hipnótica), uma simples empregada. A vida dela é contada em quatro atos em flashback que se misturam em fases importantes. Da juventude à velhice, nesta fase, um desempenho rápido e afetivo da grandiosa Glenda Jackson.

Órfã, seu único destino foi servir aos aristocratas Mr. Niven (Colin Firth) e Mrs. Niven (Olivia Colman) e ser amante do jovem galante igualmente abastardo Paul Sheringham (Josh O’Connor, adorável). Nesta fase de sua vida, “Mothering Sunday” se passa em um único dia, o Dia das Mães (daí o seu título), um momento especial para a elite dominante em seu anual piquenique. Para Jane, mais um dia como qualquer outro a não ser pelo fato de se entregar aos braços do amado que está de casamento marcado com uma amiga de infância. Salta um pouco no tempo e Jane exerce outra função, de escritora e vive outra paixão, desta vez, com Donald (Sope Dirisu), um homem negro e sofisticado.

QUEBRANDO AMARRAS

“Mothering Sunday” é uma adaptação da obra homônima de Graham Swift, roteirizada por Alice Birch (“Normal People”, “Succession”). A narrativa silenciosa criada pela diretora Eva Husson mostra-se um grande acerto ainda que arrastada por um breve momento. Há momentos vazios que não acrescentam ao enredo. Mesmo que a ideia dela seja, possivelmente, falar desse crescimento da personagem principal, Jane.

Mas o grande protagonista é justamente o que ela deixa no subentendido. Voltando para o início do texto quando disse da questão do comportamento, a aristocracia mantinha a pose, deveria estar sempre solícita, alegre, porém sucinta. Hábitos herdados em que a vergonha era maior do que demonstrar quaisquer sentimentos mais aflorados.

E isso fica explícito em dois personagens particulares: Mr. & Mrs. Niven (Firth e Colman, ambos sem muito que fazer no pouco tempo de tela e na construção dos personagens, porém, em momentos específicos, redefiniram as suas presenças). Ele traz um adorável cavalheiro gentil, enquanto ela com olhar vazio e perdida em pensamentos. O casal e os outros vizinhos burgueses da região foram acostumados a viver nestas convenções. Há um sofrimento calado, particular e fingir normalidade é a única opção possível. O medo da vulnerabilidade aqui é presente.

Ao escolher uma ambientação de campo, aberta, solar, primaveril, Husson traz essa sutileza na direção e fotografia. Os planos abertos e fechados, sempre muito claros, nos permite vislumbrar as feridas por baixo das armaduras. Ademais, parece que, a qualquer momento, haverá uma grande ruptura, acontecendo em um dos pontos altos do longa na cena estarrecedora com Young e Colman (que atriz, meus caros!). Ainda assim, “Mothering Sunday” é um filme silencioso e discreto, assim como os aristocratas na sua discrição em não demonstrar o que lhe tocava, o que lhe movia.

A história é de Jane Fairchild (personagem fictício) com seus amores e sua libertação das convenções estabelecidas. A busca do seu destino que não poderia ser condicionada por outros que não por ela mesma, quebrar o ciclo desses processos reproduzidos em looping e contar uma boa história, a sua história.

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