Não precisa ser cinéfilo ou crítico de cinema para notar a preguiça de certos filmes. Quantas e quantas vezes já vimos produções no chamado piloto automático? De todos as obras lançadas no circuito comercial brasileiro, ouso dizer que 75%, 80% sejam feitos apenas para pagar uns boletos, afinal, diretores, atores, produtores também são gente. “Mussum – O Filmis” certamente não faz parte desta turma. Passa (muito) longe da perfeição sim, mas, contorna seus pecados graças ao amor e entrega perceptível na direção de Silvio Guindane e no  dedicado elenco. 

Estamos diante de uma cinebiografia tradicionalíssima mostrando da infância à adolescência até chegar à fase adulta. Da vida difícil de onde não parece ter qualquer esperança de prosperidade para um negro pobre de periferia até o estrelato na música e, principalmente, na televisão. Uma pitadinha de dramas familiares, um probleminha profissional ali e acolá, mas, nada muito comprometedor nem desenvolvido ao extremo. Só escapa do óbvio total por não ter cena de aplauso consagradora ou de todos os personagens reunidos assistindo ao apogeu do protagonista no final – ainda que a solução encontrada soe tão forçada quanto. 

ABRAÇO DE UMA COMUNIDADE 

A beleza de “Mussum – O Filmis” reside na celebração da cultura negra brasileira e suas maiores estrelas. Igual ocorrido no simpático “Nosso Sonho – A História de Claudinho e Buchecha”, Silvio Guindane trabalha na busca por esta ressignificação da imagem do homem e mulher negra vindo da periferia no cinema brasileiro, especialmente, em obras mais populares.  

Longe das armas e da violência dos favelas movies dos anos 2000 e dos estigmas sociais midiáticos apresentados todo santo dia nos programas policiais, aqui, temos a exaltação do lado família e fraterno do humorista, principalmente na relação com a mãe interpretada por Cacau Protásio (surpreendendo positivamente pela forma contida) na fase mais jovem e Neusa Borges na reta final. Somente a cena em que o pequeno Antônio ensina a mãe a escrever pela primeira vez vale todo filme. 

Guindane amplia este cenário para exaltar ícones negros da cultura do país. Desfilam pela tela lendas como Grande Otelo, Cartola, Jorge Ben Jor e Elza Soares, figuras que moldam a construção de Antônio Carlos e futuro Mussum. A Estação Primeira de Mangueira surge como este local acolhedor de abraço de uma comunidade a ser levado para todos os cantos carregada através das cores verde e rosa.  

Todo este companheirismo cria um senso de comunhão entre aquelas pessoas sabedoras, como diz a mãe do protagonista, de que o negro no Brasil, na maioria das vezes, não tem poder de escolha e não se pode dar ao luxo de ‘ser burro’. Isso, entretanto, chega sem militar ou frases forçadas, mas, de forma orgânica graças ao ótimo elenco, especialmente, o trio Thawan Lucas, Yuri Marçal e Ailton Graça – este último, aliás, no papel da vida. 

PREÇOS DA ABORDAGEM 

Claro que tais abordagens cobram um preço com a produção insinuando quase que sem vontade um possível alcoolismo de Mussum, o qual sempre aparece bebendo um uísque a qualquer hora do dia, mas, sem nunca entrar no tema de forma mais dedicada. Enquanto deixa convenientemente de lado a relação com os seis filhos e as esposas, o roteiro de Paulo Cursino evita ainda qualquer aprofundamento sobre os estereótipos trazidos pela representação dos personagens interpretados pelo comediante em “Os Trapalhões” e muito menos a polêmica sobre a separação do grupo ocorrida em 1983, resolvida como um passe de mágica.  

Tais zelos fazem com que o filme em certos momentos praticamente não tenha conflitos, sendo uma série de registros de acontecimentos sem maiores tensões. Não duvido nada, porém, que o projeto se torne uma minissérie a ser exibida no início de ano pela Globo em que estas pontas soltas sejam mais bem amarradas, uma prática comum e que desprestigia quem vai aos cinemas por não ver a obra em sua totalidade. 

Tudo isso, porém, parece menor diante dos acertos de “Mussum – O Filmis” que se impõe graças à paixão com grande dose de nostalgia como na recriação do show business brasileiro, seja no design de produção e figurinos da era de ouro da televisão e música assim como dos bastidores desta indústria. Uma cinebiografia protocolar elevada pela paixão.