Depois de todo alarde na press tour, eu sei o que você quer saber sobre “My Policeman”: o quão tórridas são as cenas de sexo gay protagonizadas por Harry Styles? Nesse caso, sinto decepcionar a parcela onanista de leitores do Cine Set, mas “My Policeman” é um filme até bem careta.

Quando Patrick (David Dawson), um curador boêmio e tão gay quanto se podia ser abertamente na Inglaterra de 1950, e o pacato policial Tom (Styles) se entregaram aos primeiros toques, os corações na plateia começaram a bater mais alto. O pretexto? Patrick convidou o policial a posar para um de seus retratos – e diversos closes quase microscópicos do corpo de Styles, inquieto enquanto posa para o olhar de esfinge de Patrick, precedem os primeiros toques no escuro.

A bebedeira começa, os dois rapazes se acomodam em um sofá, seus corpos chegando inexoravelmente mais perto. Um dedo serelepe passeia pelo pescoço alheio como quem não quer nada. A coisa progride naturalmente até o primeiro boquete do filme – que, sinto informar, é filmado apenas com um close no rosto de Styles.

A segunda cena de sexo segue a mesma estratégia.Tom, bêbado e confuso, aparece de surpresa no apartamento de Patrick. Torsos nus, vislumbres de nádegas (finalmente algo para os fãs de Harry!) e alguns tímidos movimentos do quadril, mas nada que traumatize permanentemente a família brasileira.

Agora, o filme

Pronto, aí está. Satisfeita a curiosidade, talvez vocês nem precisem mais ver o filme. Já para os leitores mais tradicionalistas, é hora de uma breve sinopse. “My Policeman” trata de um triângulo amoroso entre Tom, Marion e Patrick. Tom e Marion são casados, tentando, cada um à sua maneira, se ater ao que é esperado dos papéis de “homem” e “mulher”. Tarefa complicada, porque Tom também é perdidamente apaixonado por Patrick. E eu já mencionei que estamos na Inglaterra dos anos 50?

Mas o filme intercala essas cenas com outras passadas nos anos 1990, quando Marion traz um Patrick já moribundo à sua casa – o que não deixa Tom nem um pouco feliz. Os motivos de tal infelicidade serão destrinchados ao longo da projeção, enquanto as vidas desses personagens se tornam irremediavelmente interligadas no passado.

(Terceira cena de sexo: Styles aparece dando algumas sentadas, mas a ação é obscurecida pelas costas de um sofá. O bom gosto prevalece).

Não espere nenhum grande insight sobre o que foi ser gay em uma sociedade intensamente repressiva. Já vimos essa história antes, e essas cenas batidas fazem a gente se perguntar se esse é realmente o único tipo de história possível sobre essas pessoas. Só ao final, quando “My Policeman” se concentra na velhice dos personagens, é que ele encontra alguma ressonância.

Mas a coisa não começa bem. Primeiro, temos Patrick, cujas falas soam como pseudo-insights artísticos pesquisados en passant por um roteirista com pressa. Que o personagem não se torne insuportável é um testamento ao carisma de Dawson.

Depois, temos Styles…

Pelo modo como os outros personagens se referem a ele, Tom é um grosseirão meio pateta e brutamontes. Também é um sujeito capaz de doçura e ternura, é verdade – o que Styles reflete com os olhos azuis brilhando enquanto sorri. Mas esse é o tipo de cara que, segundo Marion, arrota alto ao beber cerveja. Depois de duas horas de filme, eu ainda não consigo visualizar Harry Styles arrotando.

(Quarta cena de sexo: Patrick masturba Tom na praia. Uma formação rochosa oculta o alvo principal de nosso interesse – a dizer, a região pélvica de Harry Styles).

Essa aspereza é o que falta à performance de Styles. O ator faz tudo certinho, sabe até chorar e fazer beicinho. Mas às vezes, seu cenho franzido e sua inflexão monótona traem todo o seu esforço performático. Como consequência, seu Tom nunca materializa todas as dimensões profundas que o filme parece sugerir.

(Quinta e sexta cenas de sexo: transas rápidas e insatisfatórias entre Tom e Marion. A frieza desengonçada da coisa toda contrasta com a intimidade tórrida que Tom construiu com Patrick. A plateia riu bastante quando, depois de 30 segundos de performance a duras penas, Tom perguntou para Marion se foi bom pra ela).

É só no terço final da projeção, quando a história caminha para uma conclusão nos anos 1990, que “My Policeman” encontra uma forma de mexer com a gente. Eu diria que isso se deve, em grande parte, à performance de Linus Roache como a versão mais velha de Tom. Finalmente, a tal dureza do personagem vem à tona, ao lado de toda a sua vulnerabilidade em carne viva. Roache nos dá uma performance de peito aberto, com o coração na mão.

Tanto é que, ao fim da sessão, a outrora ruidosa plateia estava relativamente quieta. Me virei para olhá-la e vi que boa parte das pessoas enxugavam os olhos. Roache é o grande responsável aqui. Suas cenas trazem consigo todo o peso do arrependimento e do tempo perdido. Mas, a essa altura, parte do meu interesse já havia desvanecido.

Resta apenas, então, agradecer aos fãs de Styles, que coloriram minha sessão de 23h45 em Botafogo. Eles começaram a gritar e aplaudir com 15 segundos de projeção, assim que o nome do astro apareceu na tela (bem menos entusiasmados estavam os críticos, com suas olheiras profundas e carrancas graves depois de um dia inteiro de filmes). Se não fosse seu entusiasmo ao longo de “My Policeman” – as arfadas de choque, as risadas contagiantes, a eletricidade silenciosa percorrendo as fileiras sempre que Styles entrava em cena –, minha experiência teria sido bem mais maçante.

Filme visto durante a cobertura do Festival do Rio 2022.