O Festival Olhar do Norte acompanha com lupa a trajetória de Romulo Souza. Afinal, em todas as edições do evento, há um filme do jovem diretor e roteirista amazonense atualmente radicado em Santa Catarina. Na primeira edição foi “Personas”, documentário para além da cinebiografia tradicional sobre o artista plástico Otoni Mesquita.  

Drama mais convencional com simbólicas críticas sociais, “Vila Conde” foi o grande ganhador em 2019, enquanto “Ratoeira” já ia por uma linha mais disruptiva e brincando com a falta de verba. Desta vez, Romulo Souza apresenta “O Colar”, um suspense com flertes ao terror moderno (nada de pós-terror, por favor) a partir da história de um homem que, ao chegar em casa, se depara com a esposa caída no chão da sala.  

O resultado acaba por ser dúbio: a engenhosidade na construção narrativa, visual e sonora se mostra admirável por extrair o máximo dos parcos recursos representando uma notável evolução dele na direção assim como da parceira de trabalhos anteriores, Daniela Coriolano, na fotografia; por outro lado, a obra insinua caminhos que hesita em trilhar e se estende na reta final, gerando um sentimento de cansaço e frustração no fim das contas. 

DE ASTER A ABBA

Romulo bebe da fonte de diretores como Robert Eggers (“A Bruxa” e “O Farol”) e, especialmente, Ari Aster (“Hereditário” e “Midsommar”) em que o estranhamento se dá pelas beiradas e nunca de forma direta, pelo menos, na reta inicial. Diferente de choros ou estado de choque, ao ter a cabeça enfaixada, a mulher (Alessandra Lima), logo em sua primeira aparição, surge com certa leveza contando que tomou uma pancada na cabeça enquanto fazia a janta.  

Pouco depois, já no segundo ato, vemos o casal vivendo uma noite perfeita dançando ABBA com direito a coreografia à la John Travolta, karaokê, comendo pipoca enquanto assistem TV, porém, ao dançarem “Vienna”, de Billy Joel, ele recusa um beijo dela simplesmente virando o rosto.  

A estranheza se amplifica através do trabalho de Coriolano marcado por tons alaranjados nas sequências noturnas, criando um ar carregado para uma casa que respira à paranoia, além da câmera sempre próxima aos protagonistas os sufocando. A sonoridade aproveita o extracampo em muitos momentos para a criação de ruídos indecifráveis ou de repetições que gradualmente atingem uma crescente. Por fim, soma-se ainda a quebra da lógica capitular a partir de um determinado momento para “O Colar” conseguir gerar o desconforto pretendido. 

LOOPING SEM VAZÃO 

As expectativas geradas por toda esta construção, entretanto, acabam não sendo correspondidas. A partir de um determinado momento, nota-se que o roteiro não consegue dar mais vazão à tensão, tornando esta estranheza praticamente um looping estilístico sem fim amplificado pelo tempo do filme – longos 21 minutos.  

Quando chegamos ao final, pouco importa o colar, o canivete, quem dominava quem, as representações daquele jogo; a falta de mais de ganchos para o público abraçar aqueles personagens (ou um deles, pelo menos) provoca a cruel indiferença. 

Isso, porém, não impede de seguir admirando o cinema de Romulo Souza e Daniela Coriolano, dupla em franco processo de desenvolvimento no audiovisual com (muitos) acertos e (alguns) erros naturais da evolução de dois jovens.