Era para “O Pálido Olho Azul” estar na conversa do Oscar 2023 e ser a primeira grande estreia da Netflix no ano. Um elenco liderado por Christian Bale e Harry Melling ao lado de coadjuvantes luxuosos como Robert Duvall, Gillian Anderson, Timothy Spall, Charlotte Gainsbourg e Toby Jones em uma adaptação de um best-seller trazendo como protagonista Edgar Allan Poe. Para completar, a direção e o roteiro ficam por conta de Scott Cooper, responsável por boas produções como “Coração Louco” e “Aliança do Crime”. 

A realidade, porém, é completamente outra: o suspense chega ao streaming escondido, público e crítica passam batido por ele e falar de chances no Oscar pode ser considerada uma boa piada. Pode-se questionar estratégias de campanha em um ano que a Netflix hesitou para escolher o seu candidato principal, mas, acima de tudo, “O Pálido Olho Azul” não ajuda a si próprio merecendo a baixa visibilidade. 

Baseado no livro de ficção de 2003 escrito por Louis Bayard, o filme se passa em 1830 a partir de um crime misterioso ocorrido na Academia Militar: um jovem soldado aparece enforcado e com o coração arrancado. Para solucionar o caso, os comandantes da região chamam Augustus Landor (Bale), o mais prestigiado detetive da região. No local, ele conhece um soldado fora do comum, falante e poeta chamado Edgar Allan Poe (Melling). Juntos, irão descobrir segredos mundanos e sobrenaturais ao longo da investigação. 

TRÊS FRENTES POUCO APROVEITADAS 

Deu para notar que “O Pálido Olho Azul” tem um pezinho no tradicional filão do ‘quem matou?’, no melhor estilo Sherlock Holmes e Watson. Scott Cooper, entretanto, não se contenta apenas com o jogo de detetive de pistas e suspeitos em profusão: o roteiro ainda procura encaixar leves toques sobrenaturais trazidos do universo do próprio Allan Poe e, por fim, há um drama de personagens traumatizados que acabam se conectando – Landor está com a filha desaparecida, enquanto Poe encara a solidão no meio militar.  

Seria perfeito se o filme conseguisse ter o mínimo de competência para fazer estas partes funcionarem, o que definitivamente não acontece. Antes da metade, já é possível antecipar a resolução de um dos mistérios tamanha são as deixas mal construídas através de frases típicas para estarem em um flashback que explica tudo – “o homem é capaz de quase tudo para burlar a morte”, diz certa personagem. Diante de diálogos quase que expositivos como estes, não há cochichos ou olhadas desconfiadas capazes de ludibriar o público e tirar a produção do marasmo.  

Cooper tenta compensar esta falta de traquejo para elaborar o mistério com uma ambientação remetendo à morbidez do escritor/personagem. A fotografia de Masanobu Takayanagi (“Stillwater” e “O Canto dos Cisnes”) até consegue dimensionar o ambiente de tensão e medo que toma conta da Academia Militar no paralelo com a frieza da neve inclemente e da escuridão dos bares, porém, falta uma pegada mais soturna e estranha. E quando tenta nas sequências de neblina acaba destoando por soar artificial em meio à trama contada de forma pragmática.  

BALE E MEELING: UM ALENTO 

Sorte de “O Pálido Olho Azul” contar com dois bons atores como Christian Bale e Harry Meeling para despertar um pouco de interesse em seguir acompanhando a história. A atenção, porém, não reside em saber os próximos passos da investigação e sim na própria relação entre Landor e Poe: a cada conversa, nota-se a admiração de um pelo outro pela forma atenta como eles se escutam.  

A dinâmica da amizade fascina, pois, é marcada por segredos, dores e inseguranças, revelando-se um novo componente a cada dinâmica. Pena o mesmo não poder ser dito do restante do elenco – coitado do Robert Duvall pagando contas e pecados completamente desperdiçado.   

“O Pálido Olho Azul” era o mais ambicioso filme da carreira de Scott Cooper, mas, apenas comprovou que, pelo menos até agora, ele não deu o salto esperado para se tornar além de um cineasta competente. Na dúvida, fique com Rian Johnson e o ótimo “Glass Onion” – aliás, uma das principais apostas da Netflix para o Oscar 2023.