À primeira vista, “O Canto do Cisne” engana bem: Mahershala Ali e Naomie Harris com a excelência de sempre e ainda com Glenn Close e Awkwafina como coadjuvantes de luxo, um visual atrativo pela modernidade clean do design de produção e do cenário principal minimalista. Isso tudo para uma supostamente interessante, capaz de aliar romance emocionante a um dilema existencial digno de uma boa ficção científica. 

O resultado, entretanto, passa longe disso. Dirigido e roteirizado pelo estreante em longas Benjamin Cleary, a produção disponível na Apple TV+ traz Ali como Cameron, um artista casado com Poppy (Harris) e com um filho pequeno. O problema é que ele está enfrentando um grave problema de saúde com poucos meses de vida. Surge, então, a possibilidade dele ter um clone de si próprio com todas as memórias e detalhes através de uma tecnologia liderada pela personagem de Glenn Close. 

Como bom marinheiro de primeira viagem, Cleary capricha na execução ao situar o público na dicotomia da trama. De um lado, o clima gélido se junta ao pouco movimento da câmera e a certa distância dos personagens amplificado pelo casarão de amplos espaços de cores impessoais onde se passa grande parte de “O Canto do Cisne”. Tudo para dar ares de lucidez racional diante do dilema existencial de Cameron.  

Já nas relações do protagonista com a esposa e o filho, tudo ganha um caráter mais solar, menos rígido com o diretor de fotografia Masanobu Takayanagi praticamente encostando a câmera nos personagens, exalando todo o amor e carinho que eles sentem uns pelos outros. Pode não ser algo inovador e os elementos de sci-fi como as lentes de contato que gravam o que a pessoa vê lembram “Black Mirror”, mas, ainda assim, funciona para ambientar o espectador.  

ALI E HARRIS FAZEM O QUE PODEM 

Isso, infelizmente, não se mostra suficiente para “O Canto do Cisne” decolar. Cleary parece ter dificuldades para explorar totalmente as questões existenciais e os dilemas éticos lançados no argumento. Entende-se as pressões para Cameron buscar esta saída extrema – o doloroso luto da esposa em relação à morte do irmão gêmeo e a chegada do novo filho -, porém, a obra se mostra tímida em desenvolver as consequências de tal ato na relação entre o clone e a família e, acima de tudo, o fator unilateral desta decisão.  

A saída acaba sendo aumentar a dose no romance, o que somente não gera um dramalhão por conta dos talentos de Mahershala Ali e Naomie Harris. Logo na sequência inicial, a sintonia da dupla conquista o público em um jogo sedutor em que os olhares dizem tudo.  

Duas vezes ganhador do Oscar por “Moonlight” e “Green Book”, o ator nos conduz ao drama do personagem através da sua habitual elegância comedida; mesmo sem grandes arroubos Oscar bait, ele insere inseguranças e medos nas duas versões como demonstra no temor do clone de não preencher aquele espaço novo ao chegar na casa ou do original na bela reta final. Muitas vezes desperdiçada em filmes fracos (“Rampage” e “Venom 2”), Naomi pode até não ter uma personagem tão desenvolvida como merecia, porém, ela dá uma dimensão das dores de Poppy através da entrega absoluta dela.  

“O Canto do Cisne” fica no meio do caminho sem se decidir o que pretende ser de fato. Emociona menos do que pretende e mo campo da ficção científica, nada acrescenta ao já exibido em diversos filmes do gênero. Sorte ter dois atores excelentes para não ser completamente estéril. Pouco para um ponto de partida com tamanho potencial. 

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