Dentro do universo cinematográfico constituído por adaptações de videogames, sabemos que o nível é baixo (para não dizer ruim), sendo possível contar nos dedos os filmes que realmente honraram o material fonte. 

Ao sair da sessão de Uncharted: Fora do Mapa lembrei do famoso ditado popular “em terra de cego, quem tem um olho é rei”. Não que o filme dirigido por Ruben Fleischer (“Venom”) se destaque pela ótima consistência na adaptação, mas, sim por se encontrar um degrau acima neste quesito quando comparado a maioria dos seus adversários horrorosos. 

Com essa régua baixa, a adaptação baseada na série clássica (e popular) de games de aventura do Playstation, se revela até eficiente na sua diversão rasteira, por saber conciliar a referência aos jogos com a liberdade de apresentar situações novas para fazer funcionar a história de forma independente, elementos que são fundamentais para este tipo de empreitada descompromissada na tela grande. 

O herói dos jogos, Nathan Drake é vivido pelo “Spider-Man” Tom Holland em uma simples história simples de introdução ao personagem e o universo em que está inserido. Ao lado dele está  Victor “Sully” Sullivan (Mark Wahlberg). A dupla embarcar na caça ao tesouro perdido, enquanto buscam por pistas do irmão de Nate, Sam, desaparecido há muito tempo e que também procurava o mesmo tesouro. 

ESPÍRITO DO GAME PRESENTE

Quem jogou os games com certeza vai encontrar no filme um produto fiel na intensidade da narrativa com uma história linear combinada a uma dinâmica acelerada – “Uncharted” já abre com uma cena aérea repleta de adrenalina – o que traduz muito bem o estilo irreverente que as aventuras do game contavam para os fãs. 

Outra coisa que se destaca no longa-metragem são as set-pieces ambiciosas que resgatam os ótimos efeitos especiais e cenários inventivos dos jogos, principalmente na recriação dos momentos de ação e explosão, com seus divertidos exageros fantasioso, algo bem nítido na sequência final fantasiosa envolvendo barcos piratas sendo carregados por helicópteros e que são muito impressionantes visualmente. 

Se o game sempre primou pelo espetáculo visual das suas cenas, o filme mesmo não atingindo a mesma escala de qualidade, pelo menos não decepciona neste quesito. 

SEM PERSONALIDADE

Diferente de outras adaptações de videogames, Uncharted passa longe de ser uma adaptação tosca ao trazer um apelo visual que caracteriza bem o material fonte, contudo, narrativamente falta emoção, falta sal – curiosamente uma das suas armadilhas que Drake e Sully enfrentam, tem bastante sal – para temperar melhor a aventura e dramaturgia. É um daqueles casos de blockbuster calculado friamente para agradar um certo público comercial e que vai na fórmula e modelos mais seguros, de construir meros arquétipos da jornada de herói ou de uma aventura clássica qualquer, transmitindo inevitavelmente a sensação de não ter qualquer personalidade. 

Não é à toa que Fora do Mapa deixe a sensação de lembrar outras produções hollywoodianas de aventura do que propriamente o jogo em si. Existe o toque imaginário de Indiana Jones, o jogo de trapaça de ladrões de Piratas no Caribe e a busca pelo tesouro que não apenas remete ao primeiro citado como também oferece um estilo romantizado ingênuo que lembra A Lenda do Tesouro Perdido

Mas enquanto o filme de Nicolas Cage divertia pelo jogo esperto em torno de seus mistérios e enigmas, toda dedução dos puzzles que Uncharted oferece são tão preguiçosamente pensados e resolvidos, que o roteiro se considera pseudointeligente, tratando de apresentar suas respostas ao público à la Sherlock, ainda que instigando muito pouco o espectador a desenvolver o seu senso de imaginação em desvendar os mistérios e de levá-lo as descobertas junto com os personagens. 

É como se o trabalho de Fleischer estivesse mais preocupado em ser um “copycat” fílmico, de roubar elementos de outros trabalhos, apenas para estruturar a essência, sem se preocupar em definir uma identidade própria para justificar a sua existência ou construir uma dramaturgia razoavelmente sólida frente os dilemas e conflitos de Drake. 

AUTOMATIZADO DEMAIS

Isso acaba refletindo nas atuações: sim, Holland e Wahlberg tem uma ótima química em cena e o carisma de ambos ajudam na composição dos personagens, mas é inegável que os dois interpretam a si mesmo do que propriamente Drake e Sully. Tom parece ter saído do set de “Homem-Aranha” e entrado diretamente em Uncharted, fazendo o seu Peter Parker uma extensão de Drake no campo da ingenuidade e do bom mocismo, enquanto Mark interpreta pela milésima vez, o sujeito sarcástico, falastrão e cínico que se habituou a fazer nos seus filmes de ação. São dois atores que atuam a partir das personas que criaram junto ao público. 

A direção de Fleischer segue a essência de “Venom”: a serviço da conformidade, feito para agradar o público médio do cinema com um pseudo-humor autoconsciente que ajuda a contrabalancear a ação acrobática e as constantes quebras do enredo, com planos que saltam de uma cena para outra sem qualquer contexto narrativo. De certa forma, ele consegue dar uma boa unidade para os momentos de ação, pena que filma os diálogos de maneira burocrática e que alinhado ao texto fraco, só expõe a superficialidade do filme como um todo. 

É verdade que o game em si está longe de ser uma peça dramática profunda só que, pelo menos, havia um esforço em elaborar um texto minimamente decente, com diálogos genuínos que sustentavam a interessante relação malandra de Drake e Sully. Aqui, talvez resida o maior problema do filme a falta de malícia em explorar as ambiguidades existentes no universo amoral de ladrões dos jogos e sua enorme ambição na busca em desvendar puzzles complexos. Se não chega a torturar o público como 80% das adaptações de games, Uncharted: Fora do Mapa é tão automatizado na sua diversão descompromissada que, mesmo dinâmico no seu visual, não deixa de se desintegrar na mente do espectador logo quando ele sai da sessão.

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