“Panorama” aborda a história do bairro de mesmo nome, na zona sul de São Paulo, que sofre o risco de deixar de existir. A área é vizinha do Morumbi, um dos bairros mais ricos da cidade, e sofre com a expansão imobiliária que ano após ano afasta os moradores da localidade.

O documentário acompanha um grupo de cinco moradores da região, quatro amigos de infância e uma senhora, todos moradores do local há décadas. A primeira grande escolha do diretor Alexandre Wahrhaftig e do roteirista Miguel Ramos é a de diluir ao longo da obra uma contextualização sobre as tensões que afligem o bairro. Se por um lado, essa opção oferece um ritmo interessante à obra, também afasta uma maior imersão inicial.

Desse modo, é no carisma dos personagens entrevistados e na naturalidade com que são filmados que a obra se engrandece. As conversas entre os moradores fluem como se não houvesse uma câmera os filmando, utilizando-se da longa amizade dos personagens masculinos e seu consequente entrosamento.

É inevitável não fazer uma relação com “A Colônia”, outro filme presente na Mostra Aurora de Tiradentes que também trata sobre a ameaça de dissolvimento de um bairro periférico, e é justamente nesse tratamento mais individual, com maior carinho para com seus personagens, a principal diferença entre as obras. Os planos em “Panorama” são mais contemplativos em relação aos indivíduos em tela, enquanto negam o mesmo carinho ao espaço, ao bairro em si. O local é retratado a partir das memórias, é onde ele pode sobreviver com segurança.

O som dos helicópteros dos vizinhos ricos sobrevoando a área, quase sempre fora da tela, reforçam uma ideia de vigilância. Há uma ameaça rondando o local, mais rica e mais preparada. Ressalta-se, por exemplo, a arquitetura horizontal de Panorama, frente aos altos prédios do Morumbi, cercando a área. Observadores e observados disputam em desigualdade um mesmo terreno. Os protagonistas da obra caminham a pé pelas ruas malcuidadas de sua comunidade, relembrando momentos antigos, da infância, olhando para lugares que não existem mais, como guerreiros de uma batalha perdida.

Porém, mais uma vez, volta-se a preocupação com o humano no filme. Se por um lado, constrói-se um universo de desesperança para os personagens, onde suas felicitações só podem existir no âmbito imaterial da lembrança, realçada pelas fotografias e imagens de arquivo, por outro lado, os realizadores guardam pequenos fragmentos de libertação a partir da expressão artística de seus protagonistas.

Ligados pelo rap, os homens cantam, compõem, discutem sobre as dificuldades para produzir. As lembranças relacionadas à música são as únicas que desaguam em expectativa. Oferecem a seus possuidores um êxtase quase sempre renegado, permitindo-os, mesmo contra todas as obrigações, uma reunião que não visa a produção submissa ao dinheiro, e portanto afastada da lógica da gentrificação que ameaça o lugar onde vivem.

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