“Pobres Criaturas”, novo filme de Yorgos Lanthimos, celebra o poder da descoberta com uma euforia quase infantil. A produção, vencedora do Leão de Ouro em Veneza e exibida no Festival de Londres deste ano, é uma bizarra odisseia steampunk que tem todas as chances de expandir o fã-clube do cineasta grego e já está cotada para ser uma grande participante na corrida do Oscar do ano que vem.

O longa acompanha Bella (Emma Stone), uma jovem da Londres vitoriana ressuscitada após o suicídio por um cientista (Willem Dafoe) que a trata como filha. Ansiosa por descobrir o mundo, ela decide viajar com um advogado fanfarrão (Mark Ruffalo) para aprender sobre a sociedade, a condição feminina, e acima de tudo, si mesma.

O ‘PULAR FRENÉTICO’

Por conta de sua infantilidade – cujos motivos eventualmente vêm à tona – Bella é um ser de puro id, que entra em conflito com as restrições da alta sociedade. Levando essa proposta ao seu extremo lógico, a protagonista tem um apetite e curiosidade sexual que a torna uma rebelde diante das expectativas de gênero da Europa do séc. XIX.

Nas mãos de Stone, Bella é um prato cheio, vivendo um turbilhão de emoções com o qual não tem condição de lidar e, aos poucos, entendendo seu lugar no mundo. Em diferentes pontos de “Pobres Criaturas”, ela chama sexo de “pular frenético”, ameaça bater em um bebê, e cospe no prato durante um jantar chique. Tudo a partir de um timing cômico.

Falando em timing cômico, é nítido que o roteiro, escrito por Tony McNamara a partir do romance de Alasdair Gray, usa a incompatibilidade entre a protagonista e seu entorno para dar ao longa uma fonte constante de risadas. No entanto, ele também encontra espaço para seriamente enaltecer atitudes transgressoras, com posicionamentos sociopolíticos aparecendo nas entrelinhas, mas sem didatismo.

INSPIRAÇÃO EM TERRY GILLIAM

No aspecto visual – e é impossível falar de “Pobres Criaturas” sem abordá-lo – o longa mostra Lanthimos operando em nível sem precedentes em sua filmografia. Colaborando com a figurinista Holly Waddington e o diretor de fotografia Robbie Ryan, o cineasta cria uma versão fantástica do Velho Mundo, na qual o estado mental de Bella é progressivamente refletido nas cores e nas roupas em cena.

Ryan também transforma o ato de descobrir através da visão em um grande tema, com olhares através de fechaduras e várias imagens feitas com lentes grande-oculares aparecendo durante os 141 minutos de projeção – nenhum dos quais parece desperdiçado nesta aventura maníaca e orgulhosamente adulta.

Se “A Favorita”, projeto anterior de Lanthimos, parecia uma sátira histórica que bebia direto da fonte do cineasta Peter Greenaway, “Pobres Criaturas”, se mostra inspirado por outro realizador britânico: Terry Gilliam. Neste conto de fadas, não há magia – apenas curiosidade e loucura.