Caio Pimenta analisa as chances do drama épico “Assassinos da Lua das Flores”, dirigido e roteirizado por Martin Scorsese rumo ao Oscar 2024.

CATEGORIAS TÉCNICAS

Começando pelas categorias técnicas, “Assassinos da Lua das Flores” caminha para indicações tranquilas para cinco delas. 

Parceiro do Martin Scorsese desde “O Rei da Comédia” e lendário guitarrista da The Band, o Robbie Robertson deve obter uma indicação póstuma ao Oscar pela Trilha Sonora do filme. A música criada por ele ajuda na montagem ao dar ritmo e dinamismo, além de trazer um tom ora pesaroso ora perigoso ao que vemos em cena. Tudo isso aliando pitadas de rock com os acordes típicos dos povos originários dos EUA. 

Melhor Som também é outra categoria que “Assassinos da Lua das Flores” está muito perto de uma indicação. Quatro vezes nomeada ao Oscar, a Jacqueline West busca a primeira estatueta da carreira em Melhor Figurino. A estilista joga nas composições do estilo clássico masculino para diferenciar as personalidades dos principais personagens masculinos, enquanto faz uma recriação preciosa das roupas dos povos originários. 

O mexicano Rodrigo Prieto pode aparecer em dose dupla na categoria de Direção de Fotografia com “Assassinos da Lua das Flores” e “Barbie”. Pelo trabalho ao lado do Scorsese, as chances de indicação são maiores, enquanto as possibilidades de vitória dependem da força do Hoyte van Hoytema, de “Oppenheimer”. 

O embate maior com o drama do Christopher Nolan nas categorias, entretanto, será inevitavelmente em Montagem. Se a Jennifer Lame consegue imprimir uma velocidade absurda em um casamento perfeito com a sonoridade sem fazer o público sair perdido de “Oppenheimer”, a maravilhosa Thelma Schoonmaker oferece uma unidade compreensível sem perder a complexidade e nuances de “Assassinos da Lua das Flores”. Ainda que tenha vencido o prêmio três vezes contra nenhuma indicação da Lame, sinto que a Schoonmaker possa levar novamente. 

Design de Produção é uma categoria que coloca nas incertezas: de fato, o trabalho da dupla Jack Fisher e Adam Willis ser muito bom na reconstrução daquele faroeste de Osage e dos cenários internos opressivos, vejo trabalhos mais chamativos visualmente capazes de ameaçar “Assassinos da Lua das Flores” na categoria. “Asteroid City”, “Wonka” e “Napoleão” são alguns candidatos com chances de roubar uma das últimas vagas. 

Hoje, vejo apenas a produção da Apple sem grandes chances em Canção Original, Efeitos Visuais e, por fim, Maquiagem e Penteado, mas, nesta última vejo ainda uma possibilidade de surpresa. 

ROTEIROS E ATUAÇÕES

Chegamos às categorias principais: Roteiro Adaptado é uma verdadeira incógnita. 

Não é sempre que o Martin Scorsese assume a função de roteirista: em longas de ficção que dirigiu, ele assumiu a escrita em “Quem Bate à Minha Porta?”, “Caminhos Perigosos”, “Os Bons Companheiros”, “A Época da Inocência”, “Cassino” e “Silêncio”. Nenhum deles com a complexidade da adaptação do livro escrito do David Grann, uma obra sobre capitalismo e genocídio dos povos originários dos EUA. Premiá-lo aqui seria um luxo para categoria acompanhado ainda do excelente Eric Roth, o qual não conquista o Oscar desde “Forrest Gump”, em 1995. 

Dar o Oscar de Roteiro Adaptado para o Scorsese pode ainda ser uma forma de compensação caso ele perca em Direção e Filme. Agora, é preciso combinar com o Cord Jefferson, Tony McNamara, Jonathan Glazer e, principalmente, o Christopher Nolan – todos fortíssimos candidatos ao prêmio. 

Em “Assassinos da Lua das Flores”, o Robert De Niro encontra o melhor papel da carreira desde “Cassino”. O asqueroso William Hale movimenta e manipula as peças do filme sempre com uma palavra amiga e a disposição de quem só está ali para ajudar. O cinismo que o astro sempre emprestou para os personagens cai perfeitamente neste desempenho muito acima da média. 

Ator Coadjuvante é uma verdadeira sinuca de bico, afinal, a Academia pode ir tanto para a comédia com o Ryan Gosling, o caricato mais sofisticado com o Mark Ruffalo ou a seriedade ardilosa do Robert Downey Jr.  

O De Niro, claro, é o veterano com um currículo que impõe respeito e o último Oscar conquistado há 42 anos deixa uma sensação de que está mais do que na hora de voltar a premiá-lo. Por outro lado, os votantes podem entender que o fato dele ter duas estatuetas são mais do que suficientes e o foco deveria ser premiar quem não tem. Será um dilema que somente os humores da temporada poderão dizer para onde o vento irá soprar. 

O Jesse Plemons também em Ator Coadjuvante e a Cara Jade Myers em Atriz Coadjuvante, hoje, são nomes improváveis na corrida, mas, não me espantaria de vê-la crescendo com o passar do tempo. 

Já em Melhor Atriz, a pressão popular e da crítica pode ajudar “Assassinos da Lua das Flores”. 

A Lily Gladstone caiu nas graças de quem assistiu ao épico: a figura silenciosa de quem sabe ser um alvo ambulante da cobiça, ódio e inveja de um povo vendo a família ser dizimada pouco a pouco criam um elo raro com o espectador. E isso muito se deve à atuação serena e resiliente da atriz de origem indígena. Contra ela, porém, pode pesar não ter o filme concentrado na figura dela, diferente, por exemplo, de Emma Stone, de “Pobres Criaturas” e, hoje, favorita ao prêmio. 

A narrativa, entretanto, pode jogar demais a favor da Lily Gladstone tanto por ela ter a chance de ser a primeira atriz de origem indígena a vencer a categoria como ainda de mostrar que o Scorsese é sim um diretor/roteirista capaz de criar grandes personagens femininas. Se o duelo entre ela e a Emma Stone se confirmar mesmo sem nenhuma outra intrusa, acredito que uma virada possa acontecer. 

O Leonardo DiCaprio segue rumo à sétima indicação. Novamente em uma atuação excelente, o astro faz uma figura medíocre e disposta a qualquer tipo de negócio para ganhar mais e mais dinheiro. Se a indicação é garantida, minha dúvida é se há chances de vitória. Diferente de vilões com charme como Hannibal Lecter ou que nos solidarizamos em meio às humilhações como o Coringa ou até a inteligência ainda que inescrupulosa de Daniel Plainview, figuras execráveis, medíocres, mas mundanas como Ernest Burkhart são raras de saírem premiadas; o caso mais semelhante das últimas décadas, talvez, tenha sido o Lester Burnham, de “Beleza Americana”. 

E este embate sendo contra um dos maiores compositores da história dos EUA e também o físico responsável pela criação da bomba atômica fica mais difícil. Acho que o DiCaprio tende a correr por fora nesta corrida. 

DIREÇÃO E FILME

Que o Martin Scorsese alcançará a décima indicação da carreira no Oscar 2024 é mais do que certo. O mistério é saber se a segunda estatueta vem agora. 

Decepções não faltaram desde a vitória por “Os Infiltrados”: o mestre ficou próximo da conquista com “A Invenção de Hugo Cabret”, mas, viu Michel Hazanavicius impedir com “O Artista”. Por melhor que O Lobo de Wall Street seja, a temporada de 2014 era de Alfonso Cuáron com “Gravidade”. Seis anos depois, “O Irlandês” ruiu ao longo da awards season e Scorsese não teve mísera possibilidade de sequer sonhar. 

Este acúmulo de derrotas e visão cada vez mais unânime de que Scorsese é, de longe, o maior cineasta vivo do cinema americano – e por que não mundial? – jogam a favor de um desfecho diferente para “Assassinos da Lua das Flores”. Além disso, o próprio desafio de ser um maestro de um épico desafiador de 3h30 colocando ênfase aos povos originários mostra como ele se mantém atualizado mesmo aos 80 anos de idade. 

Se “Assassinos da Lua das Flores” se sair muito bem nas bilheterias, um dos trunfos do Christopher Nolan com “Oppenheimer” pode ser neutralizado. Agora, se a superprodução ficar abaixo das expectativas, o Scorsese terá um revés capaz de atrapalhá-lo na temporada. 

Finalmente, Melhor Filme! 

Três anos após “O Irlandês” naufragar no Oscar, o público e a indústria parecem mais acostumados com produções acima de três horas. Logo, a resistência a “Assassinos da Lua das Flores” deve ser menor. Premiar o Scorsese pela segunda vez com o prêmio máximo serviria também para a Academia consagrar definitivamente a história e o legado do diretor, abrindo espaço para futuros nomes sem aquele pesinho na consciência. A mensagem política, a precisão em contar uma história tão complexa, o primeiro encontro de De Niro, DiCaprio e Scorsese, o destaque de Lily Gladstone são fatores positivos para o longa. 

Fora que a Apple sabe o caminho das pedras após ter vencido o Oscar 2022 com “Coda – No Ritmo do Coração”. “Assassinos da Lua das Flores”, porém, terá que jogar contra o hype de “Oppenheimer” e “Pobres Criaturas”, a zebra que pode se tornar o candidato surpresa da temporada. Ganhar categorias como montagem, roteiro adaptado e, pelo menos, uma categoria de atuação será fundamental para ter força para ser o ganhador de Melhor Filme. 

Neste momento, acredito que “Assassinos da Lua das Flores” consiga entre 10 a 12 indicações com chances reais de vitória entre 7 e 8 categorias.