A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí é uma situação complicada. Já vimos isso acontecer no cinema, um meio onde a vaidade anda de mãos dadas com a aclamação, e hoje ainda existem as benditas redes sociais para amplificar esse processo. A mais nova vítima dessa “síndrome”, como se pode concluir pelo projeto Rebel Moon, é o cineasta Zack Snyder.

Muita gente não gosta dos seus filmes, mas há muitos que gostam, que idolatram o cara, que sonham em tê-lo de volta no comando de filmes de super-heróis. Na visão desses fãs, aliás, foram eles que viabilizaram a existência de Liga da Justiça de Zack Snyder (2021). E aparentemente, é para esse pessoal que Snyder faz filmes, hoje em dia.

Com este Rebel Moon Parte 2: A Marcadora de Cicatrizes, isso fica definitivamente claro. Fazia tempo que eu não via uma produção tão vazia e sem vida: São duas horas de uma história que poderia ser contada em 40 minutos; com personagens com os quais não nos importamos sentindo emoções falsas e guerreando; todos interpretados por um elenco que se esforça para injetar um pouco de vida no negócio, mas sem sucesso. E é também uma produção na qual o diretor pode exercitar todos os seus tiques, ceder a todas as suas indulgências, porque a Netflix está pagando a conta. Somando ao resultado da pífia Parte 1, fica claro que Zack Snyder é ele mesmo um personagem, uma casca, uma caricatura do diretor que costumava ser – não que fosse um grande diretor antes, mas ele nunca tinha feito algo tão sem vida quanto isto.

TIRO, PORRADA, BOMBA E O GRANDE NADA

A Parte 2 é basicamente o terceiro ato da Parte 1 – só que esticado: a primeira hora é só conversa – e tome cenas de gente colhendo trigo, e guardando, em câmera lenta… E também flashbacks, pois alguns dos personagens simplesmente não foram aprofundados – um termo relativo – no filme anterior, e parece que os roteiristas lembraram que uma hora teriam que dizer de onde algumas daquelas figuras vieram. Mas é tarde demais para que o espectador se importe.

Claro, sutileza nunca foi a praia do diretor, mas há um momento bizarro no flashback da heroína: vemos o ataque de Kora à princesa e a família com o apoio de uma trilha sonora diegética (!), porque Snyder coloca músicos tocando violinos e um violoncelo na cena. Obviamente que músicos continuam tocando normalmente enquanto um tiroteio está rolando a poucos metros de distância, com uma jovem sendo morta, deve ser a coisa mais natural naquele universo…

Já a segunda hora é só pancadaria: a partir do momento em que o exército tirano chega no planeta, é tiro, porrada e bomba do jeito que Snyder gosta de mostrar, com mais câmera lenta e muitas poses heróicas e momentos “épicos”, alguns envolvendo Sofia Boutella e sua heroína sem sal – a atriz parece confundir intensidade com boa atuação, mas, de certa forma, isso a torna a intérprete perfeita para o diretor. Até o robô dublado por Anthony Hopkins tem seu momento badass. Mas, de novo, é difícil dar a mínima quando algum dos heróis morre.

FILME DE ALGORITMO

E fiel à proposta de fazer um “cozidão” de outros filmes e influências, tem gente lutando com sabres de luz vermelhos e azuis – aparentemente, enquanto o diretor estava no colégio ninguém nunca disse para ele “copia, mas não faz igual, Zack” – e um personagem se chama Milius, referência a John Milius, diretor de Conan, O Bárbaro (1982). Tudo isso, ao invés de deixar a experiência legal e empolgante, só acaba escancarando o espetáculo vazio desses dois filmes, que poderiam ser apenas um de duas horas se seu diretor fosse mais disciplinado e menos “meninão”, concentrado apenas em estilo.

Mas nem nisso “Rebel Moon” se destaca muito, com seu visual monótono – a paleta de cores só conhece o marrom e suas variações. Ao menos, os efeitos visuais e sonoros têm impacto, acima da média para o padrão Netflix, mas isso não deixa de ser obrigação em uma produção desse tipo.

Rebel Moon, a empreitada como um todo, não encontra redenção: não há personagens, há apenas efeitos, e essa história já vimos melhor antes em dezenas de outros filmes. De certa forma, é o “filme de algoritmo” por excelência, feito com peças de outras produções, e assim, está em casa na Netflix. Assim como seu diretor, que parece ele próprio ter se tornado um ser artificial nos últimos tempos.