O que define um sujeito como “pior pessoa do mundo”? No mundo socialmente determinado, temos a clara noção do que é bom e ruim, dentro do que é aceito. Histórias são diversas, múltiplas e instigantes. Pense em uma pessoa ruim, por exemplo, certamente merece esse título, não? Todavia, para seus entes próximos, ele(a) pode ser uma pessoa boa. São dois pesos e mesma medida? Bom, nunca se sabe, afinal, as relações humanas são complexas e nada fáceis.

Soma-se isso a complexidade da relação consigo mesmo seguindo sua trajetória de vida. Há uma explosão na mente. O que estou fazendo aqui? Que objetivos são estes? Eu, quem? A crise quase sempre é certa em qualquer fase da vida. São apostas. E devemos suprir e realizar estas apostas que esperam da gente. Aquele velho papo de “nasce, cresce, trabalha, reproduz e morre”, são trilhos que já estavam preparados para a gente antes mesmo de pensarmos estar aqui. E não deixa de ser um pouco cruel esperar e depositar todo esse peso em uma pessoa de como ela deve viver, crescer e evoluir. Dói. E é sofrido.

Em “A Pior Pessoa do Mundo”, Julie (Renate Reinsve) é uma jovem beirando os 30 anos. Inconstante, não tem certeza de nada senão buscar tentar viver e ser sincera com as suas sensações e sentimentos. Ela sai da faculdade de medicina para psicologia, depois se descobre fotógrafa, mas termina como vendedora em uma livraria.

Dividido em “12 capítulos, um prólogo e um epílogo”, acompanhamos as desventuras dessa jovem, até ela encontrar Aksel (Anders Danielsen Lie), homem maduro de quarenta e poucos anos, bem-sucedido e apaixonado. Os dois formam um casal interessante. Julie parece centrada, mas há algo de angustiante no seu olhar. Como se não fosse bom o suficiente? Ou bom demais para acreditar? Ele quer ter filhos. Ela não. Desentendimentos.

Nos capítulos seguintes ela conhece Eivind (Herbert Nordrum), um simpático jovem de sua faixa etária, mas também em um relacionamento. Há flerte. Ele é mais romântico, Aksel é mais racional. Dúvidas. Aliás, o capítulo do encontro e reencontro dos dois é um dos pontos altos do filme.

DRAMÉDIA FORA DOS PADRÕES

Falando em pontos altos, “A Pior Pessoa do Mundo” têm boas cenas que são pequenas pérolas, como as já citadas cenas de encontro e reencontro. A sequência em que ela corre pela cidade com todos parados, como se o tempo parasse para ela (por sinal, é dessa cena o belo pôster do filme), os momentos de DR, que quase sempre enfadonhas, aqui, são até românticas.

NOTA DO AUTOR: percebam como a arte permeia o encontro e desencontro amoroso e de vida de Julie. Como sempre, a arte salvando e nos levando para outros caminhos de compreensão de si e do mundo, como um portal. É legitimamente necessária. E último diálogo, belíssimo, entre Julie e Aksel diz muito sobre isso.

Sob um olhar minucioso e irônico, Joachim Trier (“Oslo, 31 de Agosto”) entrega uma “dramédia” romântica fora dos padrões. Afinal, Julie representa muitos millennials ao redor do mundo que estão em busca de muitas coisas ou só querem viver sem o peso dos dias, cumprindo os seus objetivos.

Nietzsche nos diz que “é preciso testar a si mesmo”, mas é um caminho de fato, tortuoso a experimentação de viver nossas próprias vidas sem intervenções externas. Ao seguir esse “mantra” nietzschiano, vamos na contramão da maré. Quando vemos uma personagem tão forte, genuína e crível como Julie (Renate venceu merecidamente o prêmio de Cannes de melhor atriz em 2021), compreendemos que essas angústias são plurais.

Nem todos são plenos, há muitos demônios que podem e devem ser exorcizados e o trabalho de testar a si mesmo é contínuo. Um eterno devir. Só termina quando acaba vida. E é uma experiência sensorial, intuitiva e que requer coragem, nem que para isso você tenha que ser a pior pessoa do mundo.

Um único porém: o plot twist final totalmente desnecessário e que não acrescentou em nada a trama. Havia muitos caminhos mais interessantes.

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