Assistir “Som da Liberdade” foi como voltar a minha infância de Supercine e Cinema em Casa. A produção dirigida por Alejandro Gómez Monteverde e protagonizada por Jim Caviezel é datada, utiliza elementos como filtro monocromático para retratar países latinos e traz a centralidade da figura do investigador que foram eternizadas nos filmes de ação/investigação dos anos 90. Sei que este é um filme polêmico e, claramente, levanta uma bandeira — mas qual produto cultural não faz isso? —, por este motivo mesmo, quero me  deter às discussões presentes na projeção. 

A trama segue um ex-agente federal norte-americano que embarca em uma missão para resgatar uma única menina de traficantes de crianças. “Som da Liberdade” se baseia na história real do ativista Tim Ballard (Jim Caviezel), o qual possui uma organização de combate ao tráfico sexual de pessoas. Embora em algum grau a história possa ser interessante, enquanto construção audiovisual fica a desejar. 

O roteiro, escrito pelo próprio diretor em parceria com Rod Barr, não consegue aprofundar as questões basilares que procura debater como a exploração sexualmente infantil e o heroísmo do protagonista, tornando as escolhas feitas piegas e obsoletas. E, quando tenta sair dessas auto armadilhas, permanece na superfície permeada por diálogos expositivos e expressões de sofrimento do seu protagonista. O visual e as convenções narrativas de individualização heróica para uma questão de ordem sócio-política governamental dão ao filme o ar de uma produção feita para televisão dos anos 90. 

HEROÍSMO MAL COLOCADO

A fotografia de Gorka Andreu nos conduz para um mundo subdesenvolvido e tem como expressão máxima à espera de um salvador. A coloração sépia nas cenas fora dos EUA emitem essa sensação junto a trilha sonora constante e perturbadora que busca sensibilizar o público da mesma forma que um canto gregoriano medieval. Todos esses recursos apontam as mensagens e as motivações que o filme e sua produtora buscam emitir, que, devo admitir, são ofensivas e desrespeitosas. Não entrarei no mérito de vender uma Amazônia generalista com representações estereotipadas e extremistas, mas no próprio cerne do filme que é a propaganda militar intervencionista atrelada a narrativa de salvador branco. 

O personagem de Caviezel literalmente se transforma na personificação de Salvador branco imperialista ao abrir mão de seus obrigações trabalhistas para viajar até Cartagena e lutar para salvar uma única vítima — e, claro, aqueles que encontra nesse processo. Os closes excessivos aliados ao uso de contra-plongee ao captar Caviezel alimentam a personificação de grandeza que “Som da Liberdade” quer projetar sob o protagonista.

Ballard, contudo, tem um ar de superioridade frente as pessoas que poderiam e se tornam seus aliados. Julga a todos como se apenas ele pudesse e quisesse salvar as crianças da situação de escravização. Curioso é que para um cara que batalha incansavelmente pelo direito das crianças, ele deixa sua família em segundo plano. Não preciso nem comentar o quanto mal construídas são as personagens femininas estando sempre em uma posição de alteridade, seja como vilã, vítima ou apoiadora incondicional do cônjuge. Esses condicionamentos as afastam do público e salientam o grau de heroísmo de Tim.

SAÍDAS FÁCEIS E SIMPLÓRIAS

É nesta escalada, no entanto, que a produção derrapa. “Som da liberdade” se vende como um projeto de denúncia à escravização sexual de crianças, mas não consegue nem arranhar a superfície da pornografia infantil, uma vez que se preocupa mais com uma busca implacável (com perdão do trocadilho) do que com a complexidade que verdadeiramente envolve o abuso sexual de menores internacionalmente. Tim e Monteverde apresentam saídas fáceis, tacanhas e simplórias para algo que tem problemáticas e resoluções densas. 

Para completar, sinto que não há conteúdo o suficiente para que justifique os mais de 120 minutos de projeção. A montagem se fixa em um emaranhado de lugar-comuns e choques que não oferecem chão a trama, nem tampouco fluidez entre as cenas, algo presente no primeiro ato, mas que se escancara quando a narrativa chega a Colômbia.

Tudo isso porque “Som da liberdade” se foca em isolar e endeusar seu protagonista, esquecendo de abordar criticamente a temática central proposta. Dessa forma, não oferece resoluções viáveis e nem aponta respostas socialmente aceitáveis para a questão que levanta. Rocio (Cristal Aparício) e seu irmão, por exemplo, são objetificados durante toda a narrativa, mas, para além do resgate, como realmente essas crianças serão re-inseridas na sociedade? Como lidarão com o trauma? Esses e outros questionamentos, que poderiam direcionar as soluções as quais o filme afirma trazer, permanecem sem respostas e tratamento.