Na derradeira conversa entre Logan (Brian Cox) e os filhos em “Succession”, o magnata vira para os quatro e diz que eles não são pessoas sérias. Passada uma semana da morte dele, o patriarca não apenas retorna logo no início de “Living+” como vê sua tese comprovada: ao longo de 60 minutos, somos testemunhas de uma série de momentos nonsenses protagonizados por Kendall (Jeremy Strong), Roman (Kieran Culkin) e Shiv (Sarah Snook).  

Os primeiros minutos de sexto episódio da temporada final servem não apenas ao público matar as saudades das grosseiras de Logan como, ao mesmo tempo, se torna quase como um gatilho para Kendall e Roman regredirem por conta dos traumas já conhecidos da relação com o patriarca. Após dias de sensatez e raro equilíbrio visto nos episódios anteriores, aqui, ambos remetem aos piores momentos de cada um.  

O RETORNO DE KENDALL JOBS 

O personagem de Jeremy Strong, por exemplo, ativa o modo patético ao querer forçar ouvir do pobre sujeito da área econômica números que simplesmente não batem a partir de uma ideia com potencial de quebrar a WayStar. Isso, entretanto, é fichinha perto das ideias para a apresentação do “Living+”, projeto imobiliário da empresa para pessoas da terceira idade. 

Ali está o Kendall Roy metido a Steve Jobs querendo ser cool, mas, com as piores ideias possíveis para tal. Todo o ensaio com as ridículas nuvens e a apresentação em si ao lado do pai (“o dueto mais estranho do mundo”) são momentos de vergonha alheia para duelar com a vagina da mãe da família na festa de aniversário e o inesquecível rap.  

Sorte dele, porém, que o rival Lukas Matsson (Alexander Skarsgård) também não foge do perfil de figura mimada, geniosa e impulsiva. Se Kendall soa irresponsável como muito bem aponta Karl (David Rasche) segundos antes dele entrar no palco, o sueco com seu jeito bon-vivant entrando cheio de marra no jatinho de Shiv e twittando uma mensagem antissemita sem medir as consequências demonstra como a tolice também impera do outro lado. 

O MARTÍRIO E A LOUCURA DE ROMAN 

Se estava difícil acreditar na redenção de Roman ao longo da primeira metade da temporada, “Living+” mostrou que o velho babaca retornou. E com tudo o que tinha direito: o rapaz simplesmente sai demitindo todo mundo que passa na frente – da executiva do estúdio de cinema até a coitada Gerri (J. Smith-Cameron), batendo recorde de demissões em um mesmo ano televisivo.

Mais do que a demissão em si, chama a atenção a forma como elas ocorrem: a princípio, Roman se mostra acuado, constrangido em fazer aquilo que disse que faria. Depois, acaba confrontado com argumentos sólidos (incluindo a própria democracia dos EUA) para simplesmente encerrar a conversa praticamente dizendo ‘quem manda sou e pode ir embora’. 

Todos estes absurdos deixam muito claro como a sombra de Logan ainda ecoa nos rebentos. O xingamento à equipe do VT comparando aos “imbecis dos filhos” bate forte em Kendall quase como desafiando o pai (mais uma vez) com a imagem pausada. Para além do poder que vislumbra com a WayStar sob seus domínios, estragar a negociação com Matsson tão desejada pelo patriarca é uma forma de derrotá-lo e começar uma nova vida. Já Roman caminha para carregar a cruz eterna do amor por alguém que o odiava: a cena final dele dando play diversas vezes no bullying feito por Logan em um misto de saudade e punição por não corresponder às expectativas.  

SHIV BAIXA A GUARDA 

Diferente dos irmãos, Shiv não se martiriza tanto pela má relação com o pai, ainda que sofra com um ambiente de trabalho, criado pelo magnata, altamente tóxico de desvalorização da mulher – algo, infelizmente, nada exclusivo da WayStar e do mundo ficcional. Depois de agir nos bastidores para não ser escanteada por Kendall e Roman nas negociações com Matsson, a reunião com a diretoria e os irmãos se torna mais uma prova das dificuldades que terá pela frente em qualquer negócio dentro da família Roy – seja na WayStar ou fora dela.  

Do simbolismo de Kendall em sentar no lugar dela no meio da mesa ao patético pedido de desculpas – “mente para mim, na minha cara” diz ela, sendo respondida com os ridículos “estávamos te protegendo”, “não queríamos te contaminar” completados pelo abraço coletivo – a personagem de Sarah Snook sabe que será vista em segundo plano eternamente. Aliás, somente uma mulher na direção, como foi o caso aqui com Lorene Scafaria (“As Golpistas”), para dimensionar as sutilezas do momento ao colocar Shiv aparecendo em planos conjuntos colocada atrás de alguém na cena, enquanto os irmãos aparecem sozinhos. 

Neste cenário para lá de desanimador, podemos acompanhar Shiv baixando a guarda e chorando escondida de todos. A presença de Tom (Matthew Macfadyen) justo neste momento ensaia uma nova aproximação e, aqui, “Succession” brilha mais uma vez, pois, escancara a complexidade do curioso casal. De forma praticamente inédita e aparentemente longe do jogo dúbio que tanto o marcou durante as quatro temporadas da série, Tom admite que o fator financeiro pesa sim na relação, afirmando gostar das “coisas boas da vida”.

Perguntada se abriria mão de tudo por amor, Shiv, a mocinha que sempre teve tudo do bom e do melhor e nem sequer sabe o que é um boleto, responde de bate pronto que sim, sendo correspondida por uma risada e também caindo no riso. A finalização da sequência com um cara de dúvida de Tom em um corte rápido marca um dos momentos mais enigmáticos e poderosos da série. 

“Succession” inicia a reta final com um episódio trazendo o pior de cada um dos seus protagonistas e, de bandeja, nos presenteia com Logan Roy. Só não ficou perfeito por não ter Connor. Que Alan Ruck volte no próximo domingo.