Carla (Cláudia Abreu) é uma advogada classe média alta que, em uma noite de passeio com a filha, acaba no meio de um assalto. A menina é atingida e fica em estado grave. Atordoada, ela decide fazer justiça com as próprias mãos. Dirigido por Marcos Bernstein (roteirista de “Central do Brasil” e diretor de “Meu Pé de Laranja Lima”) a partir de um argumento seu em parceria com Victor Atherino, “Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia de Vingança” é uma manifestação do pior da sociedade brasileira, principalmente se tratando dos últimos quatro nefastos anos.

É sintomático e histórico que o Brasil não soube nunca estar nesse lugar de barbárie. A violência se faz presente na nossa rotina nas mais diversas esferas: sociais, educacionais, patrimoniais, políticas, econômicas e saúde. O mecanismo do elo dominante é justamente esse no controle da sociedade em prol da manutenção dos seus privilégios. Para que esses benefícios se mantenham de pé, é preciso negligenciar a coletividade em prol do seu bel prazer.

Neste sentido, a violência se instaura como uma força construtiva em delimitar vivências e instaurando o terror. Mas, vejam bem, o terror não começa por debaixo, isto é, nas comunidades carentes, nas favelas e afins. O terror vem de cima para baixo; quem constrói esse estado catatônico violento é quem o sustenta de fato. A violência de baixo para cima nada mais é do que uma consequência desse mecanismo que fugiu do controle. Em outras palavras, em uma sociedade desigual, alicerçada por preconceitos e genocídio, quase ninguém está a salvo da violência, nem aqueles que se julgam acima do bem e do mal por sua condição e status social. Portanto, a violência se generalizou.

VÍCIO DA VINGANÇA

É nessa pegada que Bernstein se direciona em “Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia de Vingança”. Há múltiplas formas de barbáries em tempos sombrios que nunca estiveram claramente limpos. Quando uma pessoa passa por uma violência como Carla, como proceder? O que vem depois? Ódio e angústia, sentimento de vingança, justiça, depressão e todas as outras sensações possíveis em diminuir a dor.

Neste estado da não conformação que entra em cena Natália (Júlia Lemmertz). Uma analista de um grupo de apoio de pessoas que tiveram grandes perdas e encontram nessas reuniões um motivo para curar-se. Carla e Natália meio que se complementam pelos traumas profundos que viveram. Enquanto a primeira está em estado de negação e fúria, a outra busca ser a razão, controlar todo o ódio/dor genuinamente verdadeiros.

O thriller de Bernstein nos leva para diversos caminhos em debate como a questão do armamento, da justiça com as próprias mãos, do estado delirante que uma pessoa se submete para suprir uma dor e, principalmente, na questão ética e moral. Até que ponto podemos ir contra nossos princípios para buscar por uma vingança. Ela se faz necessária, afinal? Bom, não são perguntas que buscam por respostas, mas coloca luz nesses conflitos onipresentes no nosso cotidiano.

Carla torna-se uma pessoa viciada pela vingança – a sequência dela disfarçada cara a cara com o bandido que atirou em sua filha e a perseguição é espetacular. Mas ela quer mais, não quer a “cabeça” apenas dele, quer saber quem financia e vai atrás de outras pessoas que colocam armas nas mãos de bandidos e que colaboram com a violência instaurada.

BARBÁRIE ALASTRADA

É interessante o trabalho corporal de Abreu e Lemmertz tão distintas nas personagens, mas ferozmente defendidas pelas atrizes que estão espetaculares, como sempre, em cena, especialmente na sequência final. Chama a atenção também que a filha dela seja uma menina negra, fruto de uma relação inter-racial e como a relação do casal (Abreu e César Mello) se arruína por conta dessa tragédia. Contudo, achei “Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia de Vingança” burocrático, redondinho nesse drama/thriller psicológico.

A barbárie se alastra em todos os sentidos, destrói famílias, vidas, sonhos e possibilidades. Invade a favela, invade as ruas e nem os muros mais altos, nem os fios de alta tensão e os carros blindados nos protege dela invadir nossas vidas.

Em uma passagem do filme, um policial corrupto vocifera para Carla que, “não existe pessoa errada; é tudo farinha do mesmo saco”. A justiça com as próprias mãos pode te colocar nesse mesmo lugar de brutalidade? A pensar.

Como veremos na entrevista que fiz com Bernstein e Lemmertz, “Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia de Vingança” é o primeiro de uma trilogia que conta esses estados violentos em que estamos inseridos em histórias independentes.