“Tetris” é um dos jogos mais conhecidos e vendidos de todos os tempos. Bebendo dessa popularidade, Jon S. Baird (“Stan & Ollie”) conta sua origem, mais precisamente o trecho do licenciamento para distribuição ao redor do mundo. O resultado é uma das melhores adaptações de game no cinema.   

Acompanhamos a jornada de Henk Rogers (Taron Egerton) para conseguir as licenças necessárias para distribuir o jogo de Tetris nos mais diversificados emuladores. Para isso, ele precisa combater outros empresários do ramo e as barreiras impostas pela União Soviética, tendo em vista que o criador do jogo, Alexey Pajitnov (Nikita Efremov), é de nacionalidade russa. 

Uma história atraente 


O roteiro assinado por Noah Pink (“Esta é sua Morte”) traz uma história bem contada, envolta em uma trama atraente e estimulante. Somos levados para os anos 1980 e imersos na dinâmica da Guerra Fria; dentro desse contexto, a narrativa apresenta um conflito maniqueísta, no qual o bem é o americano/ capitalista e o mal é o soviético/ comunista. Para sustentar esse clima, “Tetris” tem uma vibe de thriller político, reforçando os estereótipos do comunismo na visão tacanha norte-americana: pobre, má, com o domínio da KGB colocando espiões em todos os lugares.  

Além disso, a cinematografia de Alwin Kuchler (“O Mauritano”) pontua bem o dualismo entre os modelos econômico-sociais. Enquanto a América e o Japão tem cores quentes, matizadas e vívidas; a Rússia é retratada como um local inóspito, com prédios padrões (até parece que o subúrbio norte-americano oferece muita diversidade arquitetônica) e predominância de órgãos públicos. Soma-se a isso a sensação de estar sempre frio, um inverno autoimposto.   

Propaganda anti-comunista 


O filme tenta colocar como seu grande vilão o aparato estatal e a burocracia soviética, retirando dos indivíduos e de suas ações particulares a responsabilidade pelas coisas que não fluem. A escolha desse caminho, no entanto, articula crenças anti-comunistas e bizarras sobre o regime como o seu isolamento econômico e tecnológico. além da total ignorância quanto às políticas externas que já existiam no período, afinal até o próprio Mikhail Gorbatchov é citado várias vezes durante a projeção.   

Apesar de não concordar com a abordagem e enxergar nela mais uma propaganda anti-comunista desnecessária, a estrutura escolhida para “Tetris” torna a negociação atrativa e deixa o público atento para não perder nenhum passo na corrida pelo licenciamento. Os jargões jurídicos são substituídos pelo timing cômico e o ar de espionagem latente. 

 Entre Taron e o mundo dos games 


Um fator que também contribui para deixar o longa fluido é o uso da linguagem de videogame de 8 bits, utilizada para apresentar os “jogadores” principais e por emular ambientes e situações inteiras como se tudo não se passasse de um jogo no fliperama, além do emprego das “fases”, as quais dividem o filme em blocos de ações específicas. Visualmente a decisão é agradável e nos transporta, literalmente, para o ambiente que a produção busca discutir; a presença da trilha sonora do jogo e de clássicos dos anos 80 também alimentam a imersão. 

Destaco ainda a presença enérgica de Taron Egerton (“Rocketman”) que segue mostrando sua versatilidade, impondo timing cômico quando necessário, dando o nome em cenas de ação, exibindo fragilidade e ainda sendo galã. Seu personagem é visionário e carismático, tornando-se o coração da narrativa, tanto quanto o jogo. Forma uma dupla interessante com o russo Efremov, que traz densidade em sua interpretação, embora os dramas de Alexey sejam colocados em terceiro plano e, portanto, não criem liga com a audiência.  

As escolhas para a construção de “Tetris” tornam-no atraente e encantador, daquelas produções que você não tira os olhos. No entanto, não podemos esquecer que isso também se deve a propaganda anti-comunista que ele se propõe a fazer, trazendo uma visão soviética stalinista não condizente com a realidade do período retratado. Apesar de tudo isso, este é um verdadeiro exemplo de como uma adaptação pode ser criativa e fugir dos lugares-comum. Chega a dar aquela vontade de ir jogar Tetris.